Há quem ainda ache que o caso George Floyd, o homem negro que foi sufocado por um policial até morrer na cara do mundo, não tem nada a ver com a gente. É assunto dos gringos, eles que se resolvam. Desconhecer, ou não se importar, com o que acontece lá em Minneapolis ou aqui perto, nos bairros da periferia e nas comunidades, é assinar uma carteirinha de falta de humanidade. Está formado, meu filho, e acredite: esse está longe de ser um motivo de orgulho.
Ah, mas o tal do George Floyd tinha quase dois metros e passou uma nota falsa de US$ 20. Juro que li isso, como se justificasse a morte de mais um homem negro. De mais um: de acordo com o jornal Washington Post, foram 1.014 pessoas mortas a tiros por policiais nos Estados Unidos em 2019 – a maioria delas, negras. O que confirma um estudo da ONG Mapping Police Violence, segundo o qual os negros, nos Estados Unidos da América, têm três vezes mais chances de serem mortos pela polícia do que os brancos.
Você pode até ser a favor do armamento. Você pode se enrolar em uma bandeira do Brasil e passar o domingo gritando no Parcão. Mas você não pode achar isso normal.
Não é diferente no Brasil. Agora mesmo, um menino de 14 anos foi assassinado com um tiro nas costas, um dos mais de 70 disparados pelos policiais que invadiram a casa onde ele e os primos cumpriam o confinamento imposto pela pandemia em São Gonçalo, cidade da área metropolitana do Rio.
Você pode achar que tem muito mimimi e vitimismo no discurso de quem não tem os mesmos privilégios que você. Mas você não pode achar isso normal.
Todo mundo sabe a história, o corpo foi levado de helicóptero e localizado pela família apenas 17 horas depois. Sobre João Pedro, que estava no nono ano do colégio, o pai disse: a vida dele era casa, igreja, escola e jogo no celular.
Antes de João Pedro foram Ágatha e Félix, de oito anos. Kauê, de 12. Kauan, de 11. Você, que escreve e-mails xingando os jornalistas e colunistas que pensam diferente de você, não pode achar isso normal.
É impossível contar todas as histórias, elas são muitas. A de Gilberto Andrade, o angolano que saiu de Goiás para passear em Porto Alegre, terminou com ele vivo – baleado, preso, humilhado, injustiçado, mas vivo. O motorista de aplicativo, foragido, furou um sinal vermelho e escapou a pé. A polícia disparou 35 tiros contra Gilberto e sua amiga, Dorildes, que está em estado grave na UTI. "Tu vai sangrar até morrer", ele ouviu de um dos PMs. De lembrança do Rio Grande, além dos 12 dias no presídio, vai levar duas balas no corpo.
Você pode achar que tem muito mimimi e vitimismo no discurso de quem não tem os mesmos privilégios que você. Mas você não pode achar isso normal.
A situação é tão lamentável que, aos negros, nem o sucesso é perdoado. A jornalista Maju Coutinho já foi ofendida apenas por ser uma negra em horário nobre. A médica Thelma Assis, que venceu o último BBB, sofre ofensas raciais cada vez que faz uma live.
Adriel Bispo de Souza, de 12 anos, que escreve resenhas literárias no Instagram, encontrou o seguinte comentário em seu perfil: "Porco gordo. Eu achava que preto era para estar cavando mina, não lendo. Para de ser trouxa e volta para a sua realidade. Você foi criado para ser preto e pobre".
Adriel respondeu com a sua incredulidade: "Em pleno século 21, pessoas ainda são racistas?". São, Adriel. Por incrível que pareça.
E se você, que está lendo, achar isso normal, então você não é normal.