Como se fosse pouca a dor causada pela avassaladora marca atingida, de mais de mil mortes por coronavírus em 24 horas no Brasil, o Estado brasileiro fez sangrar o coração de mais uma família de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, nesta terça-feira (19). João Pedro tinha 14 anos e o sonho de "ser alguém na vida", contou o pai Neilton, quando morreu atingido por disparos de fuzil durante uma operação no Morro do Salgueiro. Não era velho, como gostam de argumentar alguns, que dizem que a Covid-19 mata aqueles que já "estão para morrer". Era jovem e estava no 9º ano da escola. Brincava dentro de casa. Foi assassinado.
Não é de hoje que o país precisa lamentar a morte de uma criança negra, vítima de uma assustadora epidemia de violência que persiste por anos no Brasil. Foi assim também quando do assassinato da menina Ágatha, oito anos, em setembro do ano passado. Na ocasião, policiais dispararam ao revidar um ataque de criminosos, também no Rio. Ágatha não sobreviveu. Os dois casos se aproximam: são crianças negras, moradores de comunidades e inocentes. De quem é a culpa? É possível listar. De quem é a dor? É (ou deveria ser) de todos nós.
Quantas outras ainda precisarão morrer para que a epidemia cesse? Que direito tem o Estado brasileiro de assassinar o sonho de uma criança? Quando é que perdemos a capacidade de nos indignar com a morte de inocentes?
Perguntas sem resposta.
Como afirmou a socióloga Denise Ferreira da Silva, creditada por Djamila Ribeiro em "Pequeno Manual Antirracista", o assassinato de jovens negros deveria criar uma crise ética na nossa sociedade. No entanto, a julgar pelos últimos acontecimentos, tanto sangue derramado ainda não foi capaz de promover levantes populares em defesa da família brasileira.