Era pra ser um encontro de um casal. Era pra ser uma viagem de turismo. Era pra ser uma corrida de aplicativo que se transformou em pesadelo, sangue e momentos de pânico. Gilberto Andrade, 26 anos, imigrante angolano que passava férias no Brasil contou ao programa Gaúcha Mais, da Rádio Gaúcha, que tinha ouvido falar coisas bonitas sobre o Rio Grande do Sul e escolheu o destino para passar as férias com a amiga Dorildes Laurindo, 56, que reside em Cachoeirinha, município da Região Metropolitana. Não imaginava o que estava por vir.
Os sonhos se desfizeram em meio a 35 tiros. Gilberto foi baleado e preso. Passou 12 dias na Penitenciária Estadual de Canoas. Também atingida pelos disparos, Dorilde está agora em estado gravíssimo na UTI.
Nenhum dos dois tinha qualquer razão para ser baleado, perseguido ou preso. O carro em que estavam era o alvo dos policiais. O motorista do aplicativo que os transportava era um foragido da polícia por tentativa de feminicídio. Contou o repórter Carlos Rollsing, que ele chegou a furar um semáforo vermelho e, por isso, passou a ser perseguido por uma viatura do 17º Batalhão de Polícia Militar (BPM). Quando o motorista abandonou o carro, tentou fugir a pé, mas foi capturado.
Gilberto narrou ao Gaúcha Mais uma cena que causa calafrios em qualquer ser com um pingo de humanidade. Disse que, sangrando no chão, gritou aos policiais dizendo ser inocente, mas ouviu em resposta, segundo seu relato, "você vai morrer", "exu do c******", "na cadeia todo mundo é inocente". Continuou sem entender.
- Me algemaram, deram chute na cara. E diziam que eu iria sangrar até morrer - contou.
Quando deixou o hospital, o angolano continuou a repetir que não possuía qualquer relação com o crime. Não adiantou. Foi levado à delegacia, para uma "cela imunda". "Se fazia tudo ali, as necessidades fisiológicas, comer e dormir", explicou. Dali, foi parar no presídio. E quando o caso foi parar nos jornais narrou ter ganhado solidariedade até mesmo dos demais companheiros de cárcere, em cena que lembrou o filme catalogado no Netflix Milagre na Cela 7. "O angolano é inocente", diziam.
Depois de 12 dias, Gilberto enfim foi libertado, após um trabalho de sua advogada e da Associação dos Angolanos. Segue em estado de choque com o que aconteceu, mas tem recebido muitos apoios e, por isso, agradeceu ao povo gaúcho. A mulher que estava com ele, contudo, permanece em estado grave na UTI e não há sequer previsão de alta.
Gilberto não teve o mesmo destino de George Floyd que chegou a gritar aos policiais americanos, com o pescoço esmagado no chão, que não conseguia respirar. Mas os casos se assemelham quando lembramos que o angolano não foi ouvido ao clamar, desesperado, por justiça, enquanto sangrava no chão. Algo de muito errado aconteceu nos dois casos e não é preciso muito esforço para entender de qual crime estamos falando. Vidas negras importam.