Ela é bonita, não tem como não reconhecer. Meio maltratada, é verdade. Precisando de um reparo, ou melhor: de muitos. Nem sempre amistosa, nem sempre acolhedora, nem sempre tranquila. A gente fala mal, diz que não tem jeito, que não aguenta mais. Mas então, quando menos se espera, ela revela algum encanto perdido - ou nem isso, uma promessa, apenas. Tal qual enamorados rompidos que poucas horas depois já não aguentam a ausência do outro, voltamos cheios de esperança no dali para a frente. Ela é difícil, mas é nossa.
Um viva aos professores e funcionários que, mesmo demonizados, continuam firmes para a casa não cair. Porto Alegre machuca, mas é nossa.
Porto Alegre, a aniversariante da semana, já viveu dias melhores. E piores também, dirão alguns, porque nada que se refira a ela vem sem discussões tão quentes quanto um seu típico dia de janeiro. Se houvesse um feriado porto-alegrense em janeiro, deveria ser consagrado à queda de pressão. É o que de mais característico temos quando a temperatura passa dos quarenta - com sensação térmica de oitenta. Forno Alegre, nosso lugar e nossa sina. Ela é fogo, mas é nossa.
Porto Alegre largadona, a coitada. Se capim fosse dinheiro, seria milionária. O que tem de capim pelos meios-fios, canteiros, calçadas? Há macegas que tapam completamente um cachorro. Uma criança pequena. Uma criança nem tão pequena. Quem não consegue levantar bem a perna para cruzar uma rua, não tem alternativa senão ir de ladinho, atravessando a vegetação. Para a situação ficar mais poética, melhor imaginar que é um trigal. Só não convém fechar os olhos nesse exercício. Com os motoristas de Porto Alegre a gente não brinca, é olho vivo e sebo nas canelas. Também não adianta procurar as faixas de segurança para fazer a travessia, os motoristas têm predileção por parar em cima delas. Porto Alegre é selvagem, mas é nossa.
Uma das coisas que dói em quem cresceu aqui é ver como a cultura da cidade já não importa tanto. É que teve um tempo em que Porto Alegre se orgulhava por ser uma cidade em que as pessoas liam muito, pensavam muito, inventavam muito, causavam muito. Agora não mais - e isso não perturba muito. Olhando-se para o contexto, é fácil entender por quê. A educação também anda atirada. A saúde é sempre um nó, assim como a segurança. E ainda tem a buraqueira, as obras que não terminam, a infraestrutura que anda sem infra e sem estrutura. Não se sabe mais o que é prioridade. Um viva aos professores e funcionários que, mesmo demonizados, continuam firmes para a casa não cair. Porto Alegre machuca, mas é nossa.
Verdade que tem a nova orla, entregue à iniciativa privada para, enfim, acontecer. E o pessoal tem curtido muito. Tomara que, no final das obras, a natureza e a história sejam preservadas mesmo com a necessidade de empregos, oportunidades e todo o etcetcetc que a revitalização pretende trazer. Isso não é ser caranguejo como alguns gostam tanto de chamar, é apenas desejar que se tenha cuidado com a cidade. Porto Alegre passa de mão em mão, mas - no fim das contas - é nossa.
E tem mais coisas ótimas. Ô, cidade para se comer bem. E não precisa pagar caro, o famoso Entrevero das cercanias dos estádios é tão aguardado quanto os jogos. Dependendo, é até melhor que os jogos. Falando nisso, tem o Grêmio e tem o Inter. A nossa Feira do Livro que encolhe, mas não se entrega. Os cinemas que resistem fora dos shoppings passando só filmão - e com público fiel. Tem escola de samba para ninguém dizer que porto-alegrense é doente do pé. E tem orquestra, mais de uma. Tem bar de tudo que é jeito, alguns famosos no país. Tem gente que canta, que escreve, que atua, que toca, que dança, que se vira mesmo sem grana e sem incentivo. Tem gente que rala muito. Tem o jeito de falar das gurias, um clássico. Tem uma luz que só tem aqui. Porto Alegre é tão essa mistura, tão contraditória, tão ame-a ou ame-a, tão precisada de atenção, tão boa, tão dura, tão tudo.
Ainda bem que é nossa.