Em um final de semana desses escrevi sobre o decote da deputada catarinense, aquela que causou ao tomar posse na Assembleia de macacão vermelho.
Para quê.
Recebi inúmeros e-mails não apenas ofendendo a deputada, mas a mim. Alguns homens e várias mulheres criticaram o que seria o “feminismo” da coluna – que dizia, tão somente, que decote algum justificaria as ameaças, inclusive as de morte, que a deputada e sua família sofreram. Outros perguntaram quanto a deputada estava me pagando.
Antes se dizia que o Brasil era um país de técnicos de futebol, todos mais capacitados do que os treinadores oficiais para resolver os problemas de seus times. Agora, também é um país de juízes, cada um julgando de acordo com a própria cabeça. Cada um sendo o seu próprio parâmetro.
Há alguns dias, a jornalista Cora Rónai, de O Globo, com quem nem sempre concordo, mas a quem jamais ofenderia por isso, publicou um desabafo em seu Facebook. Uma leitora, descontente com alguma opinião, despejou a lata de lixo em cima da colunista. Surpresa, Cora viu que o perfil da moça em questão era cheio de textos religiosos e de bons sentimentos e criou uma expressão interessante para definir o ataque: ódio do bem. Alguns trechos do post da Cora Rónai:
“Pessoa entra aqui tão carregada de ódio do bem que um comentário apenas não basta, escreve dois. Diz que sou responsável pela naturalização do nazismo no Brasil, diz que sou uma pessoa horrível, péssima, diz que me viciei em dinheiro feito o Cabral e que por isso escrevo as coisas que escrevo no Globo. Como ela não se acha má pessoa, e talvez nem seja mesmo, deseja ardentemente que no meu leito de morte eu me arrependa de todo o mal que fiz ao país. (...) Apaguei os comentários no susto. Não devia; essas coisas são de certa forma documentos.”
A leitora acusava Cora de receber dinheiro em troca de opinar sobre isso ou aquilo. Cora: “O que me intriga é como ela imagina que eu negocio a minha opinião. Como é que ela acha que essas coisas acontecem? Em pessoa? Por telefone? Por e-mail? Por telegrama? Por sinais de fumaça? Ela acha que recebo uma pauta semanal ou mensal? Um pequeno guia da opinião vendida? Uma lista de alvos?”
Bem verdade que as barbaridades que a moça escreveu eram travestidas de utilidade pública. Quem sabe, lendo tudo aquilo, Cora melhorasse. Ou, melhor ainda, fosse demitida. A intenção da leitora, portanto, era nobre. Cora conclui: “O ódio do bem me assusta mais do que o ódio puro e simples, porque a pessoa que o pratica se acha realmente um anjo do Senhor, superior ao resto da humanidade que não compactua da sua crença. As pessoas que queimavam as feiticeiras e os hereges também estavam convencidas de que tinham razão, e de que estavam fazendo um bem à humanidade”.
Antes se dizia que o Brasil era um país de técnicos de futebol, todos mais capacitados do que os treinadores oficiais para resolver os problemas de seus times. Agora, também é um país de juízes, cada um julgando de acordo com a própria cabeça. Cada um sendo o seu próprio parâmetro.
Pena que, na hora da aposentadoria, a pensão dessa massa toda não vai ser a de juiz. Mas não vai mesmo.
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Adelitas, a exposição da artista Cínthya Verri que o Memorial do Rio Grande do Sul apresenta de 10 a 28 de março, é uma investigação sobre a participação das mulheres na Revolução Mexicana. Os livros não contam e monumentos não foram erguidos em homenagem a elas, mas as Adelitas lutaram lado a lado, nas derrotas e nas vitórias, com os homens. Bom programa para o mês das mulheres – já que um dia só, vamos combinar, ficou pouco para a gente.