É uma denominação mundial para todos os cremes rejuvenescedores de última geração, aqueles com ácido hialurônico, retinol, vitaminas e outros componentes que se destinam às consumidoras, digamos, maduras. Anti-aging em inglês, anti-âge em francês, anti età em italiano, kontrau-maljuniganta — segundo o Google — em esperanto. Os cremes rejuvenescedores não são mais antirrugas, antissinais, antilinhas de expressão, agora eles são anti-idade. Mas desde quando a gente pode ser anti a própria idade?
Anti-idade pressupõe mais que acabar com o que a idade modificou, transformou, avariou, piorou. É fazer de conta que nada disso aconteceu.
Anti-idade mais parece um jeito de eliminar o que foi vivido até o momento em que o creme, sedoso e cheiroso, for espalhado na pele. Você passa e dá adeus às cicatrizes da queda do balanço, do tombo do gira-gira, das pernas que se embaralharam e nos levaram ao chão no pega-pega. Anti-idade parece o apagar da marquinha da vacina, dos pontos na cabeça (quem nunca?), do dedo torcido, do prego no pé, do joelho esfolado, da canela batida, do braço que ficou pendurado — e a mãe quase desmaiou quando viu, daquela única bolha de catapora que não deu para não coçar, da unha esmagada na porta.
Anti-idade lembra filme de ficção científica, pessoa entra em uma geringonça de titânio e sai novinha, como se as cirurgias para tirar o apêndice, a vesícula, os quistos, os cistos e outros malquistos nunca tivessem existido. Como se a cesárea deixasse só o seu produto, e que produto, sem a parte do bisturi. Como se nunca houvesse coração, pulmão, quadril, nada a ser consertado. Anti-idade pressupõe mais que acabar com o que a idade modificou, transformou, avariou, piorou. É fazer de conta que nada disso aconteceu.
Anti-idade é nome de corporação de uniforme, daqueles sem um vinco, em uma cruzada para recuperar os amassados e os amarfanhados pelo tempo. Um esquadrão inteiro aplicando corretivos nas noites insones por um amor que deu errado, pela doença do filho, pela briga de família, pelo emprego por um fio, pela discussão com a amiga, pela falta de dinheiro, pela morte de alguém. Mas também pelo livro que varou a madrugada, pelas festas que foram até o dia nascer, por todas as primeiras vezes que deixaram olheiras e roxos no pescoço, pelas maratonas diante da TV e pelas escolhas de ficar acordado mesmo sabendo-se que o despertador tocaria dali a pouco. A felicidade marca, felizmente.
Consumidora contumaz dos cremes anti-idade, aguardo me ver, em uma bela manhã, tão experiente quanto um bebê nos meus 50+. A idade combatida e enfim posta em seu devido lugar, o esquecimento. Tantos anos usando meus anti-idade, algum efeito eles devem estar fazendo. Na pele é que não é. As rugas continuam todas lá.