Não faz muito tempo, antes do Google e das facilidade da internet, a gente se virava atrás da informação sempre que precisava de uma. Valia perguntar para alguém mais sabido, ou mais vivido, ou mais lido, ou simplesmente para alguém que estivesse passando. Valia procurar na Barsa ou, na falta dela, na Conhecer, que também quebrava o galho. Valia catar na Seleções do avô, escarafunchar os cadernos antigos, pesquisar na Biblioteca Pública. A criatura que se sentisse, por assim dizer, meio burrona, tentava corrigir isso antes que os outros percebessem. E, o que era mais importante, para a sua própria satisfação.
Em outros tempos, quando o assunto era um filme que a gente não tinha visto, batia um certo desconforto. Todo mundo resenhando e tu lá, torcendo para os mais interessantes da turma não perceberem a tua ignorância. Os ousados disfarçavam o desconhecimento com enrolação. "Naquela parte em que ela aparece em contra-plongée, fica clara a intenção do diretor em estabelecer uma ruptura com o status quo". Alguém sempre aparecia em contra-plongée nos filmes, e que diretor não queria — não quer — romper com o status quo?
Da mesma forma, para fingir que se havia lido um livro comentado em uma roda de amigos, a saída era não dizer nada parecendo dizer algo importante — quem nunca? "Na minha opinião, o autor repetiu a temática que é a essência e a maldição dele mesmo". Ou "para um livro de estreia, ela conseguiu uma voz refrescantemente madura". Não acho que esses enroladores de plantão fossem estelionatários intelectuais, eles só tinham vergonha de parecer burros aos olhos dos outros.
Mas agora isso mudou.
"Nesses nossos dias, a burrice é motivo de orgulho. A ideologia importa mais que a cultura. Nos estudos ninguém acredita, mas do Whatsapp poucos duvidam."
Nesses nossos dias, a burrice é motivo de orgulho. A ideologia importa mais que a cultura. Nos estudos ninguém acredita, mas do Whatsapp poucos duvidam. O movimento antivacinação, por exemplo. Alegam-se razões tão estapafúrdias quanto "a agulha pode estar infectada com HIV", "a melhor forma de imunizar é pegar a doença" e "vacinas tornam as crianças autistas". Não adiantou os médicos mais respeitados destruírem esses argumentos. Dois resultados brasileiros: nunca se vacinou tão pouco contra a pólio quanto na campanha do ano passado, e doenças que não davam mais as caras, como o sarampo, voltaram. Curioso é que esse movimento não é de pessoas que não puderam ter instrução, mas de pais, em tese, esclarecidos. Sou burra demais para entender isso.
E essa de que a terra é plana? Lembro como se fosse hoje de uma figura do meu livro de história do ensino fundamental, caravelas partindo e mulheres chorando porque os navegadores cairiam no vácuo ali adiante. Isso nos séculos 15 e 16, quando também se acreditava que o mar era habitado por monstros e que as águas distantes eram ferventes. Hoje, em pleno ano da graça de 2019, os terraplanistas desprezam todas as evidências de uma terra redondinha sob o argumento de que a Nasa inventou o globo para nos manipular. Desculpem se essa frase pareceu meio sem pé, nem cabeça. A Idade Média, quem diria, está na última moda.
A volta às aulas lembra que é possível acabar com essas bobagens do jeito mais simples que há: aprendendo. Uma boa ideia é parar de demonizar os professores e confiar neles como guias dessa travessia. Aprender, assim como a terra, não tem ponto final, nem linha de chegada, é para ir e voltar querendo descobrir mais sempre. É a melhor vacina contra os retrocessos, é o que nos faz imunes à avalanche de besteiras do Whatsapp, é o antídoto contra a síndrome de duvidar dos fatos. Conhecimento Ostentação: tomara que o jogo vire para esse lado. Todo mundo vai sair ganhando.