Há 28 anos no Brasil, o chef francês Érick Jacquin coleciona inúmeros momentos de uma carreira de sucesso no país em que foi naturalizado. Está à frente de quatro restaurantes em São Paulo — Président, Ça-Va, Lvtetia e Buteco do Jacquin — e conquista fãs como jurado do "MasterChef Brasil", reality show gastronômico, e apresentador do "Pesadelo na Cozinha".
Desde pequeno, Jacquin desejou ser um cozinheiro de sucesso, por isso, foi um caminho natural sair da cidade no interior da França, Dur Sur Auron, onde morava com a família, para seguir seus sonhos na capital Paris. Por lá trabalhou em vários restaurantes renomados.
Somente em 1995, aos 30 anos, Jacquin chegou ao Brasil a convite do restauranteur italiano Vincenzo Ondei para comandar o famoso Le Coq Hardy, já fechado, em São Paulo, onde foi eleito chef do ano por diversas vezes.
Em dezembro de 1998, Jacquin foi nomeado Maître Cuisinier de France (a mais alta honraria da Gastronomia Francesa). Ele foi o primeiro chef francês a receber esse título no Brasil e na América do Sul. Apenas no ano seguinte, o chef decidiu abrir o próprio restaurante, o Café Antique - já extinto -, que foi considerado o melhor restaurante francês no mesmo ano.
Recentemente, o chef francês esteve em Porto Alegre para elaborar um jantar para convidados e, claro que o Destemperados não poderia deixar de bater um papo com um dos nomes que trouxe a elegância e sofisticação da culinária francesa para o Brasil.
Quando você percebeu que a cozinha seria o seu local de trabalho?
Na realidade, eu nunca imaginei fazer outra coisa. Há muitos anos, não existia chef famoso, não tinha reality show ou programas de televisão de gastronomia. Eu queria ser cozinheiro por paixão à profissão. Eu sempre quis ser cozinheiro, não era nem chef, mas cozinheiro. Desde pequeno brincava com as panelas. Na hora de escolher uma profissão que, na época, a gente não sabia que poderia mudar de ideia, meu pai perguntou: "você tem certeza que quer trabalhar quando os outros estarão se divertindo? Pensa bem". Eu sempre respondi que tinha certeza, não me imaginava em outra profissão.
De que forma um cozinheiro, que tem como berço a gastronomia francesa, consegue ser criativo no dia a dia?
A gastronomia francesa sempre foi um ponto de referência, mas, eu acho que, hoje, a gente pode abrir um pouco mais os olhos. Com as redes sociais e tudo ao redor, a gastronomia mudou muito. Nós temos apenas dois tipos de comida: a boa e a ruim. Mas, através de tudo isso, a gente não pode ter vergonha das nossas raízes. Um clássico, como uma feijoada, bem feito, nunca vai sair de moda, sempre vai ficar dentro da nossa memória.
Quem te inspira na cozinha?
Parece muito pretencioso falar isso, mas eu nunca tive uma inspiração. Eu tive pessoas que mudaram muito a minha vida, de parcerias de trabalho e que foram muito importantes. No Brasil, tem o homem que foi me buscar na França que era dono do restaurante Le Coq Hardy, em São Paulo, o Vincenzo Ondei. Ele falou: "Eu vou mudar tua vida e você vai ser rico". Ele mudou, mas não sou rico, ele fez apenas uma parte (risos).
Existe algum ingrediente que você sente falta da França?
Não é um ingrediente. É o tempo, a estação. Na França, a gente tem muito produto sazonal, esperamos a primavera para ter o champignon, aqui não tem champignon selvagem. O morango, por exemplo, tem o ano todo no Brasil, não se colhe apenas na época certa dele. Então, isso que falta um pouco aqui. Mas, tem muita coisa boa aqui que a França não tem, como manga, figo, pupunha... A gente tem que saber trabalhar com todas as maravilhas que temos aqui, e não buscar aquilo que só tem na França.
Como você avalia o cenário da gastronomia atualmente, é algo mais democrático, as pessoas consomem mais?
A gastronomia é um pratimônio cultural e quem faz um patrimônio são as pessoas em casa, não são os profissionais. Quem tem a cultura regional de um lugar. Eu falei isso em uma entrevista e me chamaram de arrogante, mas há uns 20 anos, eu não imaginava que comeria farinha. Muita gente, aqui no Brasil, coloca uma colher de farinha de mandioca no prato com arroz e feijão. Isso vem da cultura das pessoas e eu não imaginava. Hoje, eu adoro, é uma delícia! Isso faz parte da evolução da gastronomia e, com certeza, os reality shows têm uma parcela muito importante nisso. A televisão faz com que as pessoas mudem suas percepções e comam de forma diferente. Além de estarem pesquisando mais. Conhecer a história da gastronomia brasileira muda tudo.
Por onde começa o processo de criação de menu do seu restaurante?
Eu começo pelo ingrediente. Ele deve chamar atenção, deve ser de qualidade. A comida deve ser simples. Você tem que sentir o que está comendo. Um dia me falaram que acharam espinho de peixe no prato. Claro, peixe tem espinho. No meu restaurante, o peixe tem espinho igual qualquer outro.
Tem gente que não gosta de criar, gosta de replicar. Eu não gosto da monotonía, não gosto que todos os dias sejam iguais, então sempre tento fazer algo diferente. Mas, isso tem que ter cuidado. Quando se faz um menu degustação, tem que ser atenção aos produtos. O mesmo menu não pode repetir um produto muitas vezes. O cardápio tem que ser curto, bem feito, com produto de qualidade. Se você conseguir surpreender três vezes, dentro de um menu, isso é uma vitória muito grande.
Onde a culinária francesa e a brasileira se encontram?
Pouca gente sabe, mas o Brasil tem a maior fronteira com a França. São 750km de fronteira geográfica com a Amazônia, não é uma colonização simplesmente, é a França. Quem nasce lá é francês, tanto quanto eu. Então, Brasil e França têm uma ligação muito forte. Tem muito chef brasileiro que, no início, se inspirava muito mais na comida que os franceses faziam e, hoje, faz uma gastronomia extremamente brasileira, com o Alex Atala, que, para mim, é um dos embaixadores da gastronomia brasileira no mundo. Ele conseguiu mostrar a cultura moderna daqui com técnicas da culinária francesa. É uma fusão de cozinhas que casou muito bem.
Qual comida você prepara para si mesmo?
Uma coisa muito simples: massa na manteiga com ketchup.
Existe alguma comida que você não comeria de jeito nenhum?
Comida ruim.
Se pudesse escolher um único prato para comer o resto da vida, qual seria?
Seria um ingrediente, o caviar. Eu amo caviar.