A gente ama usar mel naquele bolo de banana, parar em tendas de pequenos agricultores na estrada para comprar um fresquinho, provar o mel incrível do café da manhã do hotel quando viajamos. Enfim, faz tempo que amamos esse ingrediente que é quase um símbolo das abelhinhas e que, além de delicioso, faz tão bem a nossa saúde. Mas será que conhecemos todo o resto do universo das abelhas?
Muito mais do que mel, as abelhas têm extrema importância na gastronomia. Às vezes esses pequenos insetos podem até nos tirar do sério, mas sem eles não teríamos a comida que conhecemos hoje. Para entender melhor sobre o assunto, conversamos com o chef Rodrigo Bellora, agricultor, pesquisador e idealizador do conceito “Cozinha de Natureza”. Inclusive, ele fez uma live nesses últimos tempos em seu perfil do Instagram @rodrigobellora sobre o Universo das Abelhas.
O chef é proprietário do Valle Rústico, no Vale dos Vinhedos, renomado pela preocupação com os alimentos desde o plantio até o prato, no conceito de slow food. Além desse restaurante, também está a frente do Guaraipo Bar e Cozinha, em Farroupilha; é o chef por trás do Restaurante Alma RS, em Cambará do Sul; Hotel Wood, em Gramado; e idealizador do novo restaurante em Bento Gonçalves, o Tubuna Cultura Gastronômica.
Qual é a importância das abelhas para a gastronomia?
As abelhas são extremamente importantes para a gastronomia, principalmente pela capacidade delas de polinização. Esse processo resulta, na maioria das vezes, em alimentos mais saborosos. Por exemplo, um quiabo mal polinizado fica torto, porque o lado que não polinizou não cresce; um tomate polinizado tem uma graduação de açúcares muito maior do que o não polinizado, e assim por diante. Em suma, a qualidade do alimento polinizado fica muito maior. Quando falamos em sistemas agrícolas, orgânicos, biodinâmicos e de outros formatos diferenciados, muitas vezes não são resultados exclusivamente do manejo agrícola, mas sim de todo um pensamento filosófico de como se trabalha, que acarreta numa mudança do sabor. Então, quando se trabalha num sistema agroflorestal onde se mantém as abelhas na mata, o produto gerado tem outra qualidade.
O mundo acabaria em uns 4 ou 5 anos sem as abelhas e sua polinização
RODRIGO BELLORA
Qual a relevância delas para o ecossistema?
Apesar de não ser tão sabido, indiretamente as abelhas são responsáveis pela polinização de diversas plantas, flores, frutas e alimentos que consumimos. Na verdade, o mundo acabaria em uns 4 ou 5 anos sem abelhas e sua polinização. Uma questão importante é que a abelha não poliniza apenas o que queremos ou o que dá frutos, afinal a natureza precisa de todas as suas plantas. As abelhas fazem com que a reprodução exista, logo, o ecossistema e a cadeia alimentar. A polinização dá vida, é um favor ao meio ambiente. Como grandes polinizadoras, auxiliam no crescimento, florescimento e frutificação de diversas plantas e árvores. Justamente agora, na primavera, é a hora de floração, quando as abelhas estão criando novas colméias e se preparando para mais uma temporada de coleta, antes de passar por mais um inverno.
Existem diferenças entre as abelhas?
Existem, e bastante diferenças. As que temos criação e principal foco nos restaurantes são as abelhas nativas. Essas são as sem ferrão, que já viviam no Brasil muito antes das espécies estrangeiras aportarem por aqui. Também conhecida como “melíponas”, elas povoam diversos biomas do território brasileiro com mais de 300 espécies. A criação dessas abelhas chama-se meliponicultura, diferente da apicultura - criação das abelhas africanas. Diferente das africanas que fazem os favos, as meliponas fazem os potes de mel, então a captação néctar das folhas é o mesmo, mas a maneira de armazenagem dentro da colmeia é totalmente diferente. Ao contrário das abelhas com ferrão que produzem mel em favos, essas pequenas armazenam o mel em pequenas bases semelhantes a potes. O mel dessas é completamente diferente, em relação a espessura, quantidade de açúcar, acidez, entre outros. Possível ter diferentes méis pelas abelhas no caso do mel jovem recém florado, que tem sabores semelhantes, mas difere em relação a maturação, pólen, tipo de sera, própolis e aromas.
Quais lugares mais usam o mel na gastronomia?
Nós usamos muito mel, principalmente em Cambará do Sul. Essa cidade, na verdade, vive em função do mel, produzindo três tipos: o branco, o normal amarelo e o melato escuro. Esse último, durante muito tempo, nem era considerado mel, e todo esse melato era enviado para a Alemanha. Inclusive, tem pouquíssimos no mundo: um aqui no Brasil, nos Campos em Cima da Serra e outro na Floresta Negra, na Alemanha. Apesar de ser sabido que os Estados Unidos é o pais que mais consome mel do mundo, não é usado de maneiras tão diferenciadas como aqui. Por exemplo, no Valle Rústico, Hotel Wood, Restaurante Alma RS e Guaraipo - que o nome inclusive faz referência ao nome de uma abelha nativa - fazemos um trabalho muito legal e inovador, cada vez mais presente dentro da culinária e da mixologia.
Como saber se um mel é de qualidade?
Muita gente fica chocada quando respondo essa pergunta, já que ficam horas fazendo mil pesquisas e testes para conferir se o mel cristaliza, mas a maneira mais fácil para saber se o mel é de qualidade é comprar de um apicultor ou meliponicultor, que cria abelhas africanas e nativas, respectivamente. Já que o mel cristaliza sim, e é normal.
Quais são os teus pratos favoritos com mel?
Um dos meus favoritos com mel se chama Colmaia, e é uma sobremesa que fazemos no Guaraipo. Além dela, temos uma Cogumelada incrível, que é finalizada com o mel de abelhas nativas. Fora da culinária, na mixologia temos diversos drinks surpreendentes com mel, e o meu favorito é o Guaraipo e Hooneymule. Ademais, além do mel em si, hoje também usamos bastante o pólen em alguns preparos, que até então não era tão usado na gastronomia. Servimos aos clientes vários snacks com pólen, com esse trabalho de mostrar uma cozinha intuitiva e espontânea. E claro, amo o mel que usamos na salada de frutas do café da manhã dos dois hotéis, no Wood com mel de abelhas nativas, e no Alma com mel de Cambará.