O Senegalês de 30 anos, Abdoulaye Fall, veio para o Brasil em 2014 e atuou como garçom em alguns lugares e, hoje, é gerente do A Massa, restaurante do Moinhos de Vento, que prova que não existem barreiras na gastronomia.
Leia também
10 perguntas para Palmirinha
7 perguntas para a sócia-proprietária do tradicional Gambrinus
Por que veio para o Brasil?
Inicialmente, era para conhecer o país. Eu saí do Senegal para viajar, e visitei a Espanha, o Equador, a Argentina e o Brasil, onde fiquei.
E por que decidiu ficar?
Era para tentar melhorar a vida, mas piorou (risos). Na verdade, quando eu estava no Senegal eu estudava muito. Meu pai gostava, incentivava e investia demais nisso. Frequentei as melhores escolas do país. Quando finalizei, meu pai queria que eu trabalhasseno mesmo lugar que ele, porque era mais valorizado e ganhava mais dinheiro. E não era o que eu queria. Então, fui ser gerente de um mercado. Estava tudo certo. Mas, eu fui viajar a passeio para a França, Itália e Espanha, e vi que desejava outra coisa para a minha vida. Foi quando decidi sair do Senegal para valer.
Como foram os seus primeiros momentos em Porto Alegre?
Depois de uns dois meses aqui já comecei a trabalhar porque não queria mais depender financeiramente do meu pai. Fui contratado no Hotel Deville Prime, como ajudante de cozinha. Em três meses, fui promovido e me tornei garçom. Esse início foi na Copa do Mundo de 2014 e eu atendia todas as seleções. Eu me destacava porque eu falo inglês, espanhol, português, árabe e francês. E em um evento, estava a Seleção da Argélia, que entrou resmungando no hotel. Fui atendê-los e eles explicaram que estavam em outro hotel e não conseguiam se comunicar com a equipe. Então, eu disse que iria ajudá-los. Eles riram e disseram “um garçom brasileiro vai nos ajudar?” e eu respondi, em árabe, perguntando o nome deles. A pessoa com quem eu estava falando me abraçou e comemorou muito. “Você vai trabalhar com a gente!”. Então, eu me tornei uma espécie de assessor do time enquanto eles permaneceram em Porto Alegre.
E como você veio parar na A Massa?
Depois de um tempo no hotel resolvi sair e, no mesmo dia, comecei a trabalhar no Soccer City, um complexo esportivo perto do aeroporto. Eu estava bem lá, mas meses depois pensei que desejava outros desafios. Então, vim para A Massa, logo que inaugurou o local, trabalhando como garçom. Depois fiquei um ano na A Pizza (dos mesmos donos de A Massa) e voltei para A Massa, quando virei gerente.
Qual culinária você mais gosta?
A do Senegal. Lá, eles comem muito peixe, que junto com arroz, é o prato nacional do país. Eu sinto muito a falta dessa receita. Eu até faço em casa, mas não fica igual. E aqui peixe é muito caro, ao contrário de lá.
Você não sente falta das coisas de lá e da sua família?
Sinto, claro. Mas é que lá era muito fácil ficar sem fazer nada da vida, era só ficar perto do meu pai. Mas não é o que eu desejo. Eu quero é tentar ganhar minha vida sozinho, mesmo sabendo que isso me cause arrependimentos, às vezes.
E como você está hoje?
Olha, eu não estou 100%, mas está muito melhor do que quando cheguei. Aqui, minha família são os meus chefes. Se eu fico triste, pensando na minha filha que está no Senegal, por exemplo, me lembro que o Julio, o Gabriel, o Rodrigo e a Carina (grupo que comanda o restaurante) estão aqui. O que me faz esquecer, pelo menos um pouco, o quanto eu me sinto sozinho no Brasil. Eu nunca vou conseguir devolver tudo o que eles fizeram e fazem por mim. Eu retribuo com muito trabalho e estando sempre à disposição para eles.
Sobre o Brasil, diga uma percepção sua que estava errada e uma característica do país que te surpreendeu:
Eu achei que o salário e as condições no Brasil fossem melhores. Mas também foi aqui que descobri que não preciso ser materialista. Eu posso ter amizades e relações que não exigem nada em troca.
***
Se você gosta de comer e beber bem, e de falar sobre isso, vai gostar também do nosso podcast. O Foodcast é um papo descontraído da equipe de Destemperados sobre gastronomia, dá o play aí!
* Conteúdo produzido por Victoria Campos