O dia nublado fez com que o responsável pela segurança estranhasse o movimento logo ao abrir o portão da Casa Destemperados, em Porto Alegre, no sábado (8). Isso porque mesmo em dias ensolarados os convidados costumam chegar só quando a comida já está sendo servida e ir embora assim que ela acaba. A quantidade de pessoas na entrada deixou, por alguns segundos, Carlos Fonseca, 53 anos, intrigado sobre quem seria o convidado do dia. A chef e apresentadora Rita Lobo, 44, que vinha de São Paulo para uma palestra, é uma celebridade no mundo da gastronomia. Mas foram anos até ter um dos programas de culinária mais conhecidos da TV.
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O começo foi bem longe dali. Era 1995, e a modelo Rita, então com 20 anos, já havia rodado o mundo trabalhando, mas decidira que ficaria em Nova York por um ano. O motivo: faria um curso de culinária.
– Logo no começo do curso, eu fiquei fascinada em como juntando ovos, farinha e açúcar você faz um bolo incrível, como com um chocolate você faz um suflê maravilhoso. Como você transforma meia dúzia de legumes em uma sopa deliciosa. E eu achei aquela habilidade tão incrível que foi algo transformador – contava Rita para as mais de 150 pessoas na plateia.
Talvez aprender tarde a cozinhar tenha afiado um dos principais dons da chef: falar diretamente com quem não sabe nada de cozinha. Ao invés de dizer para “refogar”, Rita ficou conhecida por explicar, com toda paciência, que quem a lê ou assiste precisa colocar um fio de óleo na frigideira e jogar a cebola cortada em cubinhos até que eles fiquem dourados. As primeiras receitas foram publicadas no blog Panelinha, criado em 2000.
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A ideia cresceu e elas passaram a ser publicadas também em livros. O primeiro, com o mesmo nome do site, foi publicado em 2010. De lá para cá, foram mais oito, e centenas de milhares vendidos. A abrangência dos assuntos dá uma ideia do objetivo maior: fazer todo mundo cozinhar. Tem livro para quem está começando, para quem quer receber convidados, receitas para bebês e também para casais.
– O Cozinha a Quatro Mãos é pensado para o casal cozinhar junto. Não é um cozinha e o outro lava, é para os dois entrarem na cozinha juntos. Nesse livro, o diferencial não é a receita, mas é que ele vem com um plano de ataque: enquanto uma pessoa faz uma coisa, a outra pessoa faz outra coisa – diz.
COMIDA DE VERDADE
Mãe de dois filhos, Rita acredita que cozinhar deve ser um assunto da casa toda, e levar cada vez mais gente para a cozinha se tornou uma missão de vida. Tanto que o tema da palestra nem são as receitas. O que faz as pessoas ficarem, mesmo abaixo de chuva, escutando-a atentamente é a forma como encara a alimentação:
– Há pouco mais de 20 anos, se falava “nossa, as famílias não estão mais comendo à mesa, as pessoas das famílias estão cada uma comendo em um horário diferente”. E hoje a gente sabe que o problema não é só mais esse. As pessoas não estão comendo comida, elas estão comendo imitação de comida – como Rita chama os alimentos ultraprocessados.
Para facilitar o entendimento, explica que é tudo o que substitui um alimento de verdade, como macarrão instantâneo, lasanha congelada e doces industrializados, por exemplo. Ensina que se, no rótulo, algum ingrediente soar estranho, é melhor desconfiar.
– Qual é o problema de se comprar comida pronta? O problema é que não deu certo. Os índices de obesidade começaram a crescer em todo mundo por causa disso. Isso é uma questão de saúde pública – alerta.
A solução, ela diz, não está nas dietas miraculosas, mas em comer o que os nossos avós comiam. E, para isso, é preciso voltar à cozinha. Não apenas para ter uma vida mais saudável, mas para resgatar as relações de afeto perdidas do tempo em que café da manhã, almoço e jantar ainda eram um espaço para alimentar relações.
A palestra acabou e, depois de muitas selfies e autógrafos, Rita Lobo foi embora. Até o Fonseca, que ainda não a conhecia, pediu uma foto de recordação.
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Rita Lobo tem um plano contra os ultraprocessados: levar você à cozinha
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