A paulista Adriana Pino venceu a etapa nacional do World Class Competition, o maior campeonato mundial de coquetelaria, promovido pela DIAGEO, líder de bebidas alcoólicas premium com marcas como Johnnie Walker, Tanqueray NºTen, Bulleit e Ketel One. Na área há 14 anos, ela vai representar o Brasil na final internacional, que ocorre em outubro, em Berlim, e quer dar ao país asil sua melhor classificação na competição. Ela foi avaliada, na etapa final, por um júri formado por cinco dos melhores bartenders do Brasil: Ale D’Agostino (Apothek), Fabio la Pietra (SubAstor), Jean Ponce (Guarita), Marcio Silva (Guilhotina) e Spencer Amereno (Frank).
Adriana, que já passou pelos balcões de casas como Brasserie Erick Jacquin, Brown Sugar, Duke Bistrot (Campinas) e Méz, atualmente trabalha como consultora, com clientes em São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Acre. Em conversa com o Destemperados, ele contou sobre seu ingresso no mundo dos drinks, a presença feminina na área e compartilhou suas expectitvas para a grande final do torneio.
Como foi o seu ingresso no mundo da coquetelaria?
Meu ingresso no mundo da coquetelaria foi com evento, balada. Começou mais simples mesmo, para completar a renda. Eu trabalhava em um consultório odontológico e fazia eventos no final de semana. Tinha um amigo que fazia evento, começou a me chamar para fazer também e ganhar um extra no final de semana. Depois de um tempo ele foi fazer outras coisas e eu continuei a carreira no bar. No começo era mais difícil. Eu fiz os dois cursos que tinha disponível na época, mas muitas vezes eu precisei correr atrás de informação sozinha, aprender sozinha, errar bastante. O próprio cliente no balcão do bar, quando era alguém mais velho, que costumava viajar e já estava mais habituado com as bebidas e os coquetéis, me ensinava bastante. Fui descobrindo como deveria fazer um coquetel para agradar todo mundo e comecei a criar minha forma de fazer cada um. Os clientes foram muito importantes para eu aprender, principalmente na parte mais clássica. Depois eu pude viajar um pouco, e isso me trouxe bastante bagagem gastronômica também para ir desenvolvendo o trabalho.
Como é a participação das mulheres no mundo dos drinks hoje dia?
Acho que hoje em dia o trabalho das mulheres no bar está um pouco mais fácil que antes, porque os proprietários e proprietárias de restaurantes estão aceitando mais mão de obra feminina nesta área. Não gosto muito de ficar classificando por gênero. Acho que quando você se dedica, não importa se é homem ou mulher. Acredito que tem mais mulheres no mercado de bar hoje comparado a alguns anos. Fico bem orgulhosa mesmo de ver mais mulheres na profissão. Temos os exemplos das duas últimas campeãs mundiais do World Class Competition, maior campeonato mundial de coquetelaria promovido pela Diageo, Jennifer Le Nechet (em 2016) e Kaitlyn Stewart (em 2017) que estão aí para mostrar isso, que cada vez mais as mulheres estão ajudando a desenvolver o negócio, a inspirar outras pessoas e a mudar o jogo. Isso sem dúvida deve ser motivo de celebração.
Como foi a preparação para a etapa brasileira do World Class Competition?
Eu já tenho bastante tempo de experiência, e acho que você não consegue se preparar para a final brasileira do World Class Competition uma semana antes. É uma bagagem toda que você carrega, que eu carreguei durante toda minha vida profissional. A gente recebe as regras do jogo, que te dão quais são os seus desafios. A gente sempre vive de desafios no bar, cada evento pede para você criar algo com um perfil de sabor, às vezes com determinada bebida. Então, acho que de alguma maneira já estava acostumada a trabalhar com desafios.
Gosto sempre de tentar envolver uma história para explicar a minha ideia, sempre usando os assuntos que eu sei que são positivos para a gente hoje. Falar muito de brasilidade, falar muito de como fazer para resgatar nossos valores, principalmente da parte gastronômica. Eu também sou do movimento de falar de biodiversidade.
A minha apresentação no campeonato foi o que eu já venho fazendo. Tive ajuda de profissionais que já trabalham comigo no dia a dia em outros projetos, como os gurus (Fabio la Pietra, Spencer Amereno, Ale D’Agostino, Marcio Silva e Jean Ponce, jurados da fase final), recebi uma imersão da Diageo para entender o perfil de cada sabor de bebida e contei com apoio dos embaixadores da Diageo. Assim como todo o processo pré competição, estamos trabalhando com o time da Diageo na preparação para o mundial, que começa em breve com algumas fases iniciais.
Uma das provas da final foi a criação de um drink inspirado nos países onde o Brasil levantou a taça de campeão do mundo. Qual drink você criou e de onde saiu a ideia?
Sobre o desafio dos países, nós tínhamos cinco opções e eu eliminei as duas que achei mais óbvias: falar do México usando tequila Don Julio e falar dos Estados Unidos usando Bulleit Bourbon. Pensei em fazer uma coisa mais diferente e achei que dificilmente alguém escolheria o Japão. Tentei estudar sobre a história do país e pegar os elementos que eu gosto na gastronomia e na história japonesa. Quando a gente pensa no Japão, a gente pensa na grande educação que eles têm. A gente vê os japoneses juntando grupos e eles mesmos limpando as ruas, não dependem da Prefeitura para fazer isso, porque eles acham que é dever deles cuidar também. Estudei bastante sobre isso porque temos a hospitalidade em nossa profissão.E então eu descobri uma palavra, que foi o nome do meu coquetel: Omotenashi - fala sobre tudo isso, está incluído na cultura do japonês de ter esse respeito uns pelos outros, até em grandes catástrofes.
Eu preparei um jardim, representando um Jardim Oriental. Tinham alguns elementos nesse jardim como um mini bonsai, um aquário representando um lago com peixinhos de verdade, que eram baby carpas. Coloquei também aqueles sapinhos da sorte, origami de pássaro, que eu passei a semana inteira fazendo para entrar no clima do Japão.
No drink, eu usei base de Tanqueray Nº Ten e coloquei kombucha de melão japonês, que eu mesma fiz. Kombucha é uma cultura de bactérias, que a gente alimenta com chá verde ela fermenta, depois você faz na segunda fermentação e vira esse refrigerante natural. Usei um óleo Sacharrum de kinkan, uma frutinha oriental também, e finalizei com uma borda de matchá, um dos chás mais nobres do Japão. Preparei o coquetel em uma chaleira e quis entregar o máximo de delicadeza possível porque os japoneses são muito precisos no que eles fazem. Acho que os jurados entenderam. Deu certo!
Quais as expectativas para o campeonato mundial?
Quero apresentar meu melhor, da melhor maneira possível. O meu objetivo é ficar na melhor posição que os brasileiros já estiveram na competição mundial até agora. Eu acho que se eu alcançar esse objetivo já estarei bem feliz. Quero ir tranquila, preparada com texto na ponta da língua, com todos os insumos certinhos e com o apoio da Diageo, dos gurus que estiveram com a gente na última fase, de muitos bartenders também. Acho que eles vão me ajudar a refinar todo esse trabalho até o último momento. Vou tentar ir com bastante naturalidade, mostrar a coquetelaria do jeito Adriana, do jeito brasileiro, da melhor forma que puder.
O foco de muitas marcas nos últimos anos têm sido a gourmetização de seus produtos, cada vez mais rótulos premium surgem. A percepção dos consumidores sobre coquetéis está se movimentando em direção a isso?
A percepção dos consumidores em relação à coquetelaria vem mudando, sim. As pessoas estão aceitando os gostos amargos, e trazendo outras bebidas para a coquetelaria, como cachaça. Os consumidores brasileiros estão se apropriando mais disso e têm mais orgulho. Imagino que o consumidor também escuta mais o que a gente está falando. Cada vez mais o consumidor confia no bartender para preparar o coquetel dele e para ele aprender também. O consumidor tem buscado um significado maior em suas escolhas de consumo, ou seja, algo que lhes ofereça um valor intangível – por meio de experiências, valorizando bastante a estética em geral e a experiência sensorial (sabores diferentes), assim como aconteceu com o movimento da gastronomia. O gin tônica é um exemplo. O drink trouxe uma verdadeira experiência para o consumidor, que hoje tem taças Copa em casa, como as de Tanqueray, e se arrisca a fazer seus próprios coquetéis.
Qual o seu drink preferido para beber?
Essa é uma pergunta muito difícil porque eu vou evoluindo. Na verdade, vamos mudando, né? Tem época que eu gosto mais de gin, tem época que gosto mais de rum. Fiquei um bom tempo apreciando muitos vermutes, vermutes com tônica. Eu gosto muito do mundo dos amargos, consumo tudo que eu posso sem açúcar, para tentar consumir as coisas no seu sabor mais puro, tentar apreciar o sabor natural das coisas. Hoje, por exemplo, estou estudando bastante sobre madeiras brasileiras, estou apreciando mais as cachaças. Estou no momento de estudar um pouco mais sobre Sabores do Brasil. É uma fase que eu estou apreciando os amadeirados, as cachaças, os runs, alguns whiskies.
Acho também que cada coquetel encaixa com uma ocasião. Por exemplo, ‘qual seu aperitivo favorito?’, eu escolheria um Bloody Mary. ‘Qual é o seu coquetel digestivo preferido? Qual é o seu coquetel refrescante preferido?’. Tem várias categorias de coquetéis, vários tipos de sabores, a família dos coquetéis são diferentes, tem um grupo do sour, do fizz. Tenho um preferido de cada família, é difícil falar o que eu gosto mais.
Quais coquetéis você recomenda para quem quer fugir do vinho no inverno?
No inverno a gente gosta de tomar coisas menos geladas. Eu escolheria coisas que são termogênicas, que contêm gengibre ou canela. Iria para a linha dos negronis, porque normalmente é servido com uma pedra de gelo só, que não vai dar tanta diluição no coquetel e não vai ser tão gelado. Vai manter a temperatura do drink. São os coquetéis que a gente chama de fortificados porque ele tem vermute, o vermute tem infusão de ervas. Penicillin seria um coquetel interessante para o inverno, assim como New York Sour. O Penicillin é feito com Johnnie Walker Black Label, gengibre, xarope de mel e pouquinho de suco de limão, e depois perfuma com Johnnie Walker Double Black. Pode ser servido com a balinha de gengibre. O New York Sour é Bulleit Bourbon batido com limão e açúcar, como se fosse um whisky sour, mas você finaliza com uma camada de vinho tinto. Nos dois casos, podem ser servidos com um cubo de gelo, assim como serve o negroni.
Uma harmonização que caia bem com ele?
Eu não como carne, mas a gente sabe que um coquetel mais cítrico como Penicillin, por exemplo, combinaria com uma comida um pouco mais gordurosa. Talvez um risoto, que tem bastante manteiga. Ou então, esses coquetéis mais fortes cairiam bem com um molho mais apimentado. Ficaria interessante.
E qual você mais gosta de preparar?
Adoro preparar vários coquetéis. Eu gosto de preparar tudo que é diferente. Gosto quando o cliente pede alguma coisa que às vezes até sai um pouco do cardápio. Fico feliz do cliente conhecer um pouco mais de coquetelaria. Estou aprendendo a dominar um pouco mais a técnica de throwing, quando a gente faz Bloody Mary, por exemplo, e vai passando de uma coqueteleira para outra. Gosto muito de preparar um Bloody Mary, assim como eu gosto de apreciar um bom Bloody Mary.
* Conteúdo produzido por Eric Raupp