*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Os tempos atuais nunca foram tão favoráveis para quem gosta de comer bem. Os tempos atuais nunca foram tão cheios de questões e dúvidas para quem gosta de comer bem. Estaria o colunista com problemas de lógica e coerência? Não exatamente, e vou me explicar com alguns exemplos.
Eu estava num debate, num recente evento de gastronomia, quando o tema veio à tona: o que fazer diante da qualidade
do frango vendido pela grande indústria? Uns comiam, outros não, um terceiro grupo abominava... Muitos declaravam
comprar apenas aves de criação orgânica – pelo manejo mais responsável, pela ausência de antibióticos. Até que surgiu a questão: se em casa controlamos a matéria-prima consumida, como fazer no bar, na lanchonete? Deixaremos de matar a vontade de uma simples coxinha, por não desconhecer de onde vem o frango? Décadas atrás, fazíamos nossas refeições sem saber tanto sobre calorias, sobre intolerâncias, sobre tendências culinárias. Lembro de ver minha avó preparando os pratos do cotidiano com banha de porco em quase tudo. Meus amigos mineiros iam além: era banha até no pão na chapa, de manhã cedo. E os índices de obesidade, no entanto, eram menores. Não estou defendendo o mero retorno dos velhos hábitos. Mas o que engorda mais: comida ou uma vida de controles remotos, fastfood etc? Difícil dizer.
Hoje, temos um inédito entendimento sobre nutrição, sustentabilidade, sobre a importância dos produtos frescos, sobre
a química na cozinha, sobre o receituário dos grandes chefs – o que é ótimo. Mas, contraditoriamente, nunca se viu tanta
gente com restrições alimentares e alergias como no momento atual. O que eu quero dizer é que as novas gerações
têm a mais expandida consciência alimentar e o mais amplo repertório gastronômico de todos os tempos. O que não
significa que isso nos livrará de todos os riscos. Nem que isso deva nos transformar em extremistas. Da minha parte, eu também prefiro comprar frango orgânico para minha casa. Mas não fujo da coxinha feita com frango comum, quando ela me desperta o apetite – de vez em quando, não faz mal. Mas nuggets, não: aí, eu não encaro.