Fiquei indignado quando procurei no dicionário da língua portuguesa e não encontrei o termo pochar. Como assim não conceituar uma das ações mais queridas do ato de comer? Coube à internet me ajudar a localizar o significado: pochar (ou potchar, para alguns) é o ato de mergulhar alimentos sólidos em alimentos líquidos antes de comer. Resumindo: é aquela boa passada do pão no molho para raspar o prato ou a panela.
O pochar tem que ser feito com as mãos. Nada de ter nojo nessa hora e utilizar garfos ou afins. Sujar-se um pouco faz parte do ritual. Limpar o fundo de qualquer recipiente com aquela boa pochada dá um sentimento de prazer e dever cumprido sem igual.
O termo é mais fácil de ser encontrado no dia a dia da Serra Gaúcha, região que gosto pela paixão que tem pela comida. Dizem que a origem vem da Itália, do termo fare la scarpetta. Por isso, o pão é elemento fundamental na mesa sempre, seja no início, no meio ou no final da refeição.
A pochada do pão no azeite no couvert já acalma o coração de quem tem fome. Outro momento especial é a mergulhada de um bom pão caseiro na sopa de agnolini. E o mais clássico do pochar é limpar o molho que sobrou da massa até o prato ficar limpinho. Ô coisa boa.
Parando para pensar, me dei conta que minha relação com o pochar, no entanto, nasceu no churrasco. Quando pequenos, eu e minha irmã brigávamos na mesa para quem ia pochar o sangue que escorria da carne e ficava alojado na tábua. Chegava a comer mais pão do que carne, e isso só reforçou meu amor pela carne mal passada.
Outra situação quase pornográfica é a da gema mole escorrendo pelo prato. Se eu não tenho um pão por perto, começa a me dar uma agonia de não poder salvar aquele líquido se esvaindo. Para mim, nunca é preciso perguntar se a gema deve ser mole ou dura. Gema mole é poesia, e pochar é uma arte.
Em vários lugares do Brasil e do mundo, a pochada pode ser vista como deselegante à mesa, como falta de boas maneiras. Não entendo o porquê. Nada é mais íntimo na gastronomia do que comer algo com as mãos. Por mim, a pochada está sempre liberada.
* Conteúdo produzido por Diego Fabris