*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Eu vejo todos os programas de culinária (e correlatos) que o tempo me permite. Os bons e os ruins, os nacionais e os estrangeiros, os “de receitas” e os “de competição”. E, sobre estes últimos, gostaria e fazer algumas desmistificações.
1) Não, os reality shows de comida não ensinam ninguém a ser chef. São atrações que visam o entretenimento, gincanas onde o fio condutor, por acaso, é a performance na cozinha. O que não é ruim, pelo contrário. No mínimo, aproximam as pessoas dos temas gastronômicos, o que eu, como aficionado, acho ótimo. Basta não se iludir sobre as
pretensões dos programas (exagerando, é como ir a um jogo de vôlei esperando uma partida de futebol).
2) Não, cortar cebola em velocidade alucinante não significa que o aprendiz de mestre-cuca fará pratos apetitosos (embora renda boas imagens). Talvez sirva apenas para refinar a gestualidade técnica – o que conta na hora de fazer comida de um modo mais organizado, claro. Mas, posso garantir: se a ideia é impressionar, servir uma receita muito gostosa é muito mais eficaz do que picar 10 cebolas por segundo.
3) Não, nem todos os pratos precisam ter crosta. Nem todas as preparações exigem os tais “elementos crocantes”, embora eles pareçam preocupantemente em voga. Esses recursos devem ser utilizados, a meu ver, quando houver um sentido. Tem um ótimo peixe em mãos? Então, não carece de envolvê-lo em, sei lá, castanha de caju; apenas explore sua delicada simplicidade. Ou vocês acham que algo delicioso como, digamos, uma tradicional lasagna alla bolognese, é menos perfeito porque falta um croc-croc?
4) Não, ninguém vira chef porque tem desenvoltura com panelas e fogões, ou porque acabou de se formar em gastronomia. Chef trabalha duro por muito anos até aprender a liderar brigadas; criar receitas; selecionar fornecedores e matérias-primas; implantar processos; elaborar fichas técnicas de pratos; gerir uma estrutura profissional. Porém, se todo mundo raspa o prato quando você põe seus quitutes à mesa, não se preocupe com nomenclaturas: revelar sabores e nutrir a família, por si só, já são feitos maravilhosos.