Eles podem ser chamados de underground restaurants, paladares, supper clubs, puertas cerradas ou antirrestaurantes, como ficaram conhecidos no Brasil. Mas todos carregam o mesmo conceito. São residências que abrem suas portas para jantares com convites vendidos antecipadamente. A ideia funciona mais ou menos assim: a reserva é feita por e-mail ou telefone e só depois o endereço é fornecido. É como um restaurante, porém mais intimista. Quem comanda as panelas é, normalmente, o anfitrião, e os antirrestaurantes ainda têm mais uma característica, a de estimular a sociabilidade entre desconhecidos, uma vez que as mesas são compartilhadas.
Comuns na Europa, nos Estados Unidos e em cidades como Buenos Aires, onde a tendência se espalhou rapidamente, os antirrestaurantes surgiram como uma maneira de ganhar dinheiro extra. De outro lado, são também uma forma mais em conta de ter um negócio próprio sem arcar com o alto investimento para abrir um restaurante.
– Conheci os restaurantes a portas fechadas na Europa. Viajei para Praga, e lá eles já trabalhavam com esse conceito. Depois, em uma passagem por Cuba, há uns oito anos, percebi que por lá também faziam isso – conta Belen Ruiz Montava, uma das sócias do antirrestaurante Montava Sans Souci, em funcionamento há poucos meses em Porto Alegre. – As pessoas eram recebidas para jantar em casa e ficavam em meio à família que morava ali, tendo, por exemplo, que passar pela avó na cadeira de balanço para ir ao banheiro. Era o jeito de arrumar um dinheiro a mais na época em que os cubanos recebiam de US$ 3 a US$ 6 por mês.
Para alguns cozinheiros, no entanto, funciona com um hobby. É o caso de Giuliano Griffante, que há cerca de um ano abriu o Santíssimo Beco. Inicialmente um blog de receitas, o projeto logo se transformou em um antirrestaurante.
– Sempre gostei de cozinhar, fiz até um curso profissionalizante, mas não queria largar de vez a minha área de formação, a informática. Então mantive o Santíssimo Beco como um projeto paralelo – explica. – Já tinha ido a dois restaurantes nesse formato um tempo atrás, e meus amigos insistiam para que eu fizesse jantares para eles. Comecei fazendo apenas para conhecidos, mas em seguida coloquei na internet e foram aos poucos surgindo amigos de amigos e outros interessados de fora.
O modelo de antirrestaurante foi adotado tanto por amadores quanto por chefs profissionais e funciona na casa de quem está cozinhando, com um número limitado de participantes por evento – pode variar de 10 a 30 pessoas. Os menus são fechados e costumam mudar a cada semana ou mês, mas têm a garantia da aventura e da criatividade.
– Minha cozinha é bem variada, mas gosto muito de comida mediterrânea, que pode ser tanto influenciada por Itália, França, Espanha e Portugal quanto por Grécia e Marrocos – conta Marcos Cardozo, do Casa Cardozo, há quatro anos em funcionamento na Capital. – Como ofereço o serviço na minha casa, procuro fazer uma comida caseira que fuja do habitual dos restaurantes tradicionais. Gosto de buscar referências de pratos que, para o brasileiro, podem parecer exóticos, mas que no país de origem são considerados comida caseira.
Fica a cargo das redes sociais e do boca a boca difundir os restaurantes a portas fechadas, que oferecem a oportunidade de ter novas experiências e encontrar e conversar com o cozinheiro e com os outros comensais presentes.
– Quando termino de servir a sobremesa, costumo ficar conversando com os convidados, que fazem perguntas e sugestões – conta Griffante. – As pessoas têm curiosidade e buscam experiências diferentes. A primeira vez pode gerar um pouco de desconforto, principalmente para quem é tímido e vai sozinho. Mas noto que, depois da segunda vez, o pessoal entende a proposta e aceita melhor.
Para Janaína Girardi, que em 2009 criou o Primeiro Andar, apenas um motivo influencia para que os antirrestaurantes não sejam ainda mais difundidos em Porto Alegre.
– Apesar de as pessoas buscarem sempre experiências novas, como é o caso da comida de rua, o fato de ter que reservar um determinado dia, para comer um determinado prato em um determinado horário acaba dificultando um pouco na hora de colocar na agenda e se organizar – imagina ela, que tem se dedicado mais a jantares exclusivos para grupos de amigos, mas que logo pretende voltar ao antigo formato.
Os antirrestaurantes são frequentados normalmente por um mesmo perfil de público, como observou Cardozo entre uma conversa e outra em sua casa.
– Não sei se há um perfil exato de público, mas posso perceber algumas características. Geralmente são pessoas que gostam e que são ligadas à gastronomia de alguma forma, que curtem viajar e que se interessam muito por cultura, cinema e literatura – conta. – É um público que está disposto à aventura de conhecer um lugar diferente que até certo ponto é secreto. Não sabe o que vai encontrar lá, mas come junto com desconhecidos e se diverte.
Veja abaixo alguns dos antirrestaurantes de Porto Alegre, incluindo a Casa Destemperados, que tem entrado na onda do conceito com jantares a portas fechadas.
MONTAVA SANS SOUCI
Com a proposta de recuperar a gastronomia regional e apresentar pratos internacionais incomuns por aqui, o Montava Sans Souci é comandado pelas sócias Belen Ruiz Montava, espanhola ligada à gastronomia desde cedo, e Aline Bonnamain, neta dos proprietários do antigo restaurante Sans Souci, tradicional na zona sul de Porto Alegre entre os anos 1950 e 1990.
– Gostamos de combinar a gastronomia com as histórias que a envolvem e de incentivar a cultura gastronômica – explica Belen. – Procuramos contar a história por trás de cada prato e como cada receita evoluiu com o passar do tempo. As pessoas gostam disso.
Em funcionamento desde março, o antirrestaurante promove cerca de seis jantares por mês, todos eles com menus que levam pratos daqui ou dos países por onde passou Belen, como Espanha, Inglaterra, Alemanha, Hungria, Irlanda, Áustria, Vietnã e Tailândia. Os jantares ainda levam um toque que deixa a experiência mais caseira: a comida é servida em travessas, e os convivas podem repetir. Foi o jeito encontrado para unir os presentes.
Para mais informações, acesse montavasanssouci.com.br.
CASA CARDOZO
Depois de morar um tempo fora e voltar a Porto Alegre, Marcos Cardozo resolveu unir as duas tarefas de que mais gostava: cozinhar e trabalhar em casa. Foram nove meses até abrir o Casa Cardozo.
– Frequentei antirrestaurantes em Berlim e Lisboa, mas em pesquisas descobri que os maiores mercados ficavam na Inglaterra e nos Estados Unidos. Na América do Sul, o lugar onde encontrei mais referências foi em Buenos Aires. Viajei para lá e descobri muita gente fazendo jantares a portas fechadas.
É Cardozo quem cria o cardápio, cozinha e lava a louça. São cerca de 16 jantares por mês, entre abertos e exclusivos, com até 15 pessoas cada um. Para mais informações acesse casacardozo.blogspot.com.br.
SANTÍSSIMO BECO
Como mantém o Santíssimo Beco como uma atividade paralela, Giuliano Griffante realiza apenas dois jantares por mês, sempre sexta e sábado, para 10 pessoas cada um. Com receitas próprias, Griffante se preocupa bastante em servir ingredientes frescos, disponíveis na estação.
– O menu do mês é feito de acordo com a sazonalidade e com a temperatura. Se está frio, por exemplo, gosto de servir uma comida mais aconchegante, com uma sobremesa mais forte talvez – explica. – Gosto muito das cozinhas espanhola e italiana, mas são só influências, não sigo uma linha específica. Tento apenas manter uma lógica, para o sabor de um prato não matar o outro.
Griffante afirma reparar que as pessoas se sentem muito mais à vontade em jantares servidos em casa, e têm interesse em saber sobre a elaboração do menu e a preparação do prato, como tudo foi feito.
– Volta e meia ouço comentários de que as pessoas ficam desconfortáveis com o fato de terem que liberar a mesa logo que comem em restaurantes tradicionais. Diferente do Santíssimo Beco, onde a experiência costuma durar quatro horas.
Para mais informações acesse santissimobeco.com.br.
CASA DESTEMPERADOS
No embalo dos antirrestaurantes, a Casa Destemperados tem promovido eventos que seguem esse conceito. São jantares para cerca de 30 pessoas com chefs de Porto Alegre, Interior e fora do Estado. A ideia tem sido realizar três desses eventos por mês.
O Puertas Cerradas já colocou no comando das panelas Leonardo Magni e Liliana Pereira, do Mandarinier (Porto Alegre), Rodrigo Bellora, do Valle Rustico (Vale dos Vinhedos), e Katia Barbosa, do Aconchego Carioca (Rio de Janeiro). A ideia é mais do que realizar um jantar intimista, mas colocar o chef perto dos convidados.
O próximo Puertas Cerradas ocorrerá no próximo dia 23, com o chef Marcelo Schambeck.
Para mais informações acesse casadestemperados.com.br.
* Conteúdo produzido por Juliana Palma