*Texto por Luiz Américo Camargo, crítico gastronômico e autor do livro Pão Nosso
Meu falecido pai, João Camargo, não gostava de viagens. “Vai viajar para quê? Ver paisagem? Paisagem tem aqui”, era o que ele dizia. Com o tempo, entendi que esse ponto de vista tinha mais a ver com inseguranças várias e com uma certa aversão a grandes deslocamentos do que com falta de interesse pelo mundo (isto, ele tinha e muito). Postura semelhante se estendia ao hábito de sair para jantar: qual o sentido, se a comida de casa, para ele, era mais gostosa?
Bem, não estou aqui para sugerir que meu interesse por restaurantes surgiu por mera reação à autoridade paterna. Mas a lembrança me faz pensar numa outra coisa: quantas vezes as pessoas enfrentam trânsito, pagam caro por uma refeição meio desapontadora e, no fim, deixam a mesa com a sensação de que deveriam ter ficado em casa? Ocorre com frequência, posso garantir.
Estou me referindo – é bom esclarecer – a almoços e jantares enquanto programa gastronômico. Não ao ato geralmente apressado de comer algo no intervalo do trabalho, quando as aspirações não vão muito além de aplacar a fome. Fora isso, é importante ressaltar que, quando partimos à caça de uma refeição, devemos ter uma noção mínima das nossas pretensões: queremos só comida boa e simples? Surpresas? Luxo? Serviço caprichado?
Feita a ressalva, voltemos ao ponto central: cozinheiros e proprietários deveriam reparar no seguinte cenário. Hoje, o público tem acesso a ótimos ingredientes. A infinitas receitas. Pode comprar bons utensílios. Caprichar na ambientação e reunir amigos, além de beber bem pagando menos. Ficar em casa, em suma, é bom. Será que o ato de ir ao restaurante, então, corre o risco de se tornar mera alternativa para quem está com preguiça de ir para o fogão? Caberia aos profissionais ficar de olho na clientela e criar momentos que justifiquem – pelos pratos, pela atmosfera, pela atenção – o esforço de ir para a rua e o dinheiro investido. É hora de perceber que o concorrente não é só o estabelecimento vizinho, mas o conforto dos lares. E de ter capacidade para responder à pergunta do João Camargo: “Sair para quê?”.