Não tem melhor nem pior. O mesmo acontece na hora de eleger um boteco do coração, um time de futebol, uma praia do litoral gaúcho. Umas fazem mais sentido do que outras, e cada um encara da sua maneira.
Churrascaria é um tema tão sagrado quanto todos os anteriores. Existe clubismo envolvido, paixão, memória afetiva e outros critérios subjetivos que são dificílimos de explicar.
A única maneira de diferenciá-las, e a mais justa, é listá-las segundo um critério carinhoso: das mais queridas. Todas são queridas, umas mais, e outras um pouquinho menos. Mas todas ocupam um lugar muito especial no coração do porto-alegrense.
A Chica Parrilla foi a mais querida, segundo nosso grupo de eleitores. Acredito que por ter um propósito muito claro, de querer mudar a cara da cidade. Sem jamais se distanciar das casas mais consagradas, que sempre serão suas grandes referências.
Não adianta nada querer mudar o mundo se a gente não consegue arrumar o próprio quarto. Em pouco tempo, a Chica deixou de ser um projeto para se tornar a grande referência do universo do churras, mudando completamente a cara da Rua São Manoel, em Porto Alegre. Esse é o processo de mudança que todos deveriam seguir!
Nesta edição, conversamos com Matheus Rachewsky Fermann, empresário e sócio-administrador da Chica Parrilla, que atua há cinco anos no mercado.
O que é o churras para ti?
Quando a gente acende o fogo a conversa fica diferente. Nos tornamos mais próximos e íntimos. Para mim, churras é isso: aquele momento mais que especial para estar com aqueles que gostamos. Família, amigos, futebol, campo. Nada melhor do que um churras para nos conectar e fazer de uma refeição um acontecimento!
Quais memórias do ritual do churrasco que tu guardas com mais carinho e que consideras que foram as responsáveis por te fazer amar essa cerimônia do churras?
Os domingos pela manhã com meu pai, hoje, meu sócio. Me recordo perfeitamente de todos os detalhes: irmos ao açougue escolhermos os cortes, ele me ensinando a fazer a toalete e depois salgar as carnes em umas gamelas enormes de madeira. E, ao fundo, algum GP de fórmula-1 com o Galvão Bueno narrando as vitórias do Ayrton Senna. Desde que me conheço por gente o churrasco faz parte da minha vida, e eu amo isso, vou levar para sempre comigo.
Quais as principais características que tu consideras que um bom assador precisa ter?
Antes de mais nada, muito amor e respeito pelo que o churrasco representa, e disposição para fazer tudo com carinho do início ao fim. Além desses pontos, acho importantíssimo conhecer os cortes, ter uma noção básica de pecuária e ser organizado na hora de assar.
Por que criar uma parrilla? Qual foi o gatilho? Em que momento ele ocorreu exatamente e qual foi a tua pretensão desde o início?
Quando fui visitar o imóvel, onde hoje é a Chica, não passava pela minha cabeça abrir um restaurante. Minha ideia inicial era montar um escritório para a antiga empresa que eu tinha na época. Quando entrei na loja foi amor à primeira vista. Bati o olho e disse: isso aqui tem que ser uma parrilla! Saí de lá e liguei para o meu pai, convidando-o para conhecer o lugar e escutar a opinião dele para ver se tinha sentido. Voltamos ao imóvel dias depois e fizemos a proposta. A gente deu início a Chica com seis mesas, 14 cadeiras e cinco mochos (aqueles bancos altos de madeira). Nossa ideia era fazer uma “parrilla y bar” para os amigos, um comércio de bairro. Nunca imaginamos que tomaria essa proporção.
Quando estás na Chica, quais são as tuas opções de entrada, principais e sobremesa?
De entrada, saladinha da Chica, matambrito e mollejas. De prato principal, assado de tira, entraña com acompanhamento de batatas ao molho de nata e bacon. De sobremesa, eu normalmente vou no flan de dulce de leche uruguaio Conaprole feito pela minha mãe.
Quais foram as tuas grandes referências e fontes de inspiração, tanto em Porto Alegre quanto fora, para criar a Chica?
Sem dúvida alguma, o querido Chico Tasca (sócio-proprietário da churrascaria Barranco, que faleceu em 2020). Ele foi um cara que esteve ao nosso lado para ajudar em diversos momentos quando abrimos a Chica. O Chiquinho nos deu dicas operacionais, de fornecedores e muito mais. Era um grande amigo do meu pai e do meu avô. Foi uma enorme perda para a cena gastronômica de Porto Alegre. Fora daqui, as minhas maiores fontes de inspiração vieram do Uruguai. O Mercado del Puerto, La Pulperia e La Perdiz, todos em Montevidéu. Eram um prato cheio de referências. As pequenas parrillas de Punta del Este e de Maldonado também têm um forte papel na construção da identidade da Chica.
O que tu projetas para a Chica Parrilla no futuro?
Projetamos manter essa linha de crescimento orgânico, sem perder a essência. Temos como objetivo entregar uma experiência única aos nossos clientes e amigos. Também faz parte dos nossos objetivos investir cada vez mais no setor de RH, valorizando aqueles colaboradores que estão conosco. Queremos tornar a Chica uma referência de empresa para se trabalhar. Diminuir a rotatividade de funcionários e aumentar a qualidade de atendimento.
Como tu enxergas a cena da gastronomia da Capital hoje em dia?
É o melhor momento da cena gastronômica porto-alegrense dos últimos anos, com certeza. Inclusive, tem me chamado a atenção a quantidade de amigos que temos de fora, que, quando vêm a Porto Alegre, dizem que a cidade está incrível, cheia de opções, ainda mais bonita e viva. Acredito que esse seja o melhor indicador para dizer que nós, empreendedores do ramo de alimentação e de entretenimento, estamos fazendo um ótimo trabalho.
Churrasco é um assunto muito delicado porque todos nós temos opinião, não há quem não seja especialista, seja assando ou palpitando. Nesse sentido, o que tu achas que a nova geração de empresários da gastronomia tem para ensinar à velha guarda? E o que os grandes líderes do mercado têm para ensinar à nova geração?
A nova geração tem muito a contribuir no sentido de mostrar que temos que ter a cabeça aberta para novas experiências, afinal, é isso que o público quer, muitas vezes. Por outro lado, tradição e experiência não se criam, se conquistam — e não é nada fácil. Então, tem que se respeitar e aprender com ambas as gerações. Com certeza todos saem ganhando.
Qual o teu grande sonho como porto-alegrense e empresário da gastronomia local?
Meu grande sonho está se tornando realidade: o de ver as calçadas e as ruas de Porto Alegre cheias de gente. Pessoas caminhando de um restaurante para o outro, curtindo a cidade. Vivendo a Capital. Esse é nosso desafio: fazer disso um hábito e não apenas um momento.