É impossível dimensionar a importância que o botequim tem na cultura do nosso país. Equivale ao futebol, tanto que estão diretamente ligados. Um não vive sem o outro.
Tira as mesas de bar da nossa história para ver só o que resta: nada de importante. A quantidade de coisas e de movimentos culturais surgidos na boêmia, que forjou a identidade do nosso povo.
Não é de se estranhar, pois a receita é simples: as melhores ideias são sempre aquelas construídas enquanto empilhamos uma torre de bolachas de chope e beliscamos qualquer coisa segurando um palitinho de dente.
Alguns dos maiores hinos da MPB foram compostos com uma orquestra de caixinha de fósforo, um batuque na mesa e um garfo tilintando na garrafa.
Isso tudo em botecos ou botequins, nem tanto em bares, que são uma instituição mais recente. Não sei se tu sabes, mas eles guardam algumas diferenças.
O primeiro é mais autoral, precisa, necessariamente, ter uma gestão familiar, cuja operação deve ter um caráter exclusivo, não permitindo filiais.
A origem são os botequins das zonas portuárias, tendo, em sua maioria, imigrantes portugueses do lado de trás dos balcões. Daí, inclusive, surgiu o termo “pé-sujo”, fruto do costume de, na época, cobrir o piso da casa com serragem, fazendo com que todos saíssem do estabelecimento deixando um rastro do material rua afora.
Já o segundo tem uma característica mais comercial, na maior parte das vezes, formam uma rede com duas ou mais unidades. Tentam retratar um ambiente dos anos 1970, mas, tudo tem cheiro de carro novo.
Quando tem “bar” no nome, é boteco. Quando tem “boteco”, na verdade, é bar. Já te deu conta disso?
Enfim, o boteco ou o botequim é o pai do bar, e está tudo certo, desde que tenham chope gelado, bons petiscos expostos no balcão e um time de garçons bem folclórico.
Por todas essas características, evidentemente que o Rio de Janeiro é a cidade-natal deles todos, mas, atualmente, São Paulo tem alguns dos melhores. Belo Horizonte se destaca também. E Porto Alegre da mesma forma, muito pela sua origem açoriana.
Para quem acha que foi-se o tempo dessa instituição e que botecagem está em baixa, trago-lhes uma prova cabal de que este símbolo nunca esteve tão em alta.
Recentemente, um fundo de Private Equity da XP chamado Alife-Nino adquiriu uma rede de 31 bares com operações em São Paulo e no Rio, aportando R$ 100 milhões neste grupo, visando não apenas uma expansão por todo o território nacional como também projetando o primeiro IPO do setor.
Cara, no mercado financeiro ninguém dorme, só tem tubarão. Eles costumam ter uma visão além do alcance, se baseiam em teses muito consistentes para definir cada tomada de decisão e de negócio.
Esse movimento muda o jogo, bota a gastronomia em uma outra prateleira, pois passa a ser vista com outros olhos depois de passar por um processo de profissionalização e, consequentemente, movimentar, segundo estimativa da Abrasel, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, cerca de R$ 300 bilhões em 2022.
A boemia é coisa séria. O balcão sempre vai ser o melhor dos divãs, e o desconhecido ao lado, o melhor terapeuta.
Essa instituição está mais viva do que nunca, é hora de comemorar.
Partiu boteco!