Meu pai não sabe cozinhar, talvez nunca tenha ligado um fogão. Se precisar fazer uma torrada de presunto e queijo, é bem provável que se queime e não saiba esperar o tempo certo. Veio sem essa configuração de fábrica, o Felicinho.
Para se ter uma ideia, arrisco a dizer que ele deve ser um dos poucos pais por aí que nunca fez churrasco. Essa referência eu não tenho, a de poder dizer: “nossa, ele é meu grande exemplo de assador, aprendi com o meu pai, com o melhor churrasqueiro do mundo”.
Mas, em compensação, a infra é sempre com ele. O menu do almoço só fica perfeito porque ele pensou em tudo.
O café da manhã só está de hotel porque ele providenciou os detalhes. O churras só ficou espetacular porque ele preparou tudo, deixando, inclusive, o fogo pronto.
Para não ser injusto, ele tem algumas cartas na manga no que diz respeito a receitas. Se tivesse que apontar os três grandes números do meu pai, seriam: caipira, gin tônica e Campari.
Os encontros na casa dos “véio” são sempre inesquecíveis, muito por conta dessa preocupação que o meu pai tem com o pré-preparo de cada evento, e também pela forma como ele contribui para a condução das coisas, “tocando” o bar e garantindo que todas as bebidas estejam sempre muito geladas.
Ele nunca forçou alguma rotina que não fosse legítima dele, apenas para me dar o exemplo. Naquela tentativa de transmitir por osmose determinado hábito que ele desejasse incorporar na minha vida adulta depois de um tempo.
O mais difícil da paternidade é dosar as expectativas em torno dos nossos filhos. Inevitável criar na nossa cabeça a ideia de que seria ótimo se eles fizessem isso ou aquilo, gostassem muito disso ou daquilo, estudassem mais isso ou aquilo. Ao invés de, simplesmente, deixá-los ser quem são e gostarem do que faz sentido para a vidinha deles.
Assim que fui criado, analisando com mais calma agora depois de velho. Nunca me forçaram a nada nem encenaram qualquer tipo de ritual de maneira a tentar me induzir.
Como é complicado esse exercício de dosar as expectativas sobre os pequenos e entender que eles não podem pagar conta alguma por frustrações nossas do passado, de querer ter sido assim ou assado, querer ter feito isso ou aquilo e colocar esse peso nas costas deles.
Talvez esse seja o maior dilema de ser pai. Os guris têm todo o direito de eventualmente não se interessarem por surfe, por corrida, por jiu-jitsu, por fazer churras, por hambúrguer, por lasanha à bolonhesa ou pelo Inter.
Só peço que, eventualmente, até para manter o legado, saibam fazer uma baita caipira, tal qual o avô. Para todos os efeitos, vou deixar aqui registrado o segredo da longevidade, a tradicional receita da caipira do Felicinho.
É que nem aquele truque para decorar a matéria do colégio, o de criar algum texto sonoro facilitando a decoreba: “um, um e meio, dois”. Essas são as quantidades, que tu podes multiplicar pelo número de unidades que pretende fazer ao mesmo tempo.
“Um” é para o limão, “um e meio” é para a dose de cachaça e “dois” é para as colheres de açúcar. E cobre com gelo. Quanto mais, melhor.
Enquanto houver gelo, há esperança!