Esqueça tudo o que você sabe sobre comida de motel. Talvez você nem tenha uma opinião sobre o assunto, porque nunca pensou ir até lá para comer algum prato. Na verdade, acho que esse nunca foi o intuito de ninguém.
As razões para se ir ao motel são diversas: uma fuga na rotina do casal, um momento íntimo com alguém que não é tão íntimo assim. E, para nossa surpresa, até mesmo um momento relax entre amigas que querem aproveitar a noite enquanto bebem um bom vinho. O que o Audace Motel entendeu de seus clientes fiéis é a busca por uma experiência que une qualidade e conforto. E por que não incluir esses conceitos no cardápio?
Com um bom investimento, reformaram a cozinha, compraram louças modernas e contrataram a chef Natália Scavone para construir o novo menu. A cozinheira já passou por diversos restaurantes do mundo, entre Europa, África e América Latina.
Com toda a sua experiência, montou um cardápio vasto, que vai desde entradas para compartilhar até sobremesas. Fique tranquilo, não há gosto de alho forte ou pratos pesados demais. Essa era uma preocupação da equipe, oferecer receitas leves sem deixar de trazer sabor e com o adicional de ingredientes afrodisíacos em algumas delas. E nós fomos viver essa experiência na íntegra.
Sempre existe aquele constrangimento no momento da entrada. E, para nós, não foi diferente - ainda mais quando se chega à pé. São poucos minutos de apreensão até encontrar o número do quarto e torcer para que ninguém nos veja nesse meio tempo. Mesmo que a ida tenha sido à trabalho, mas vai explicar isso para quem não nos conhece... Finalmente, lá estava o número 54. Já havíamos deixado a tensão de lado quando subimos as escadas e abrimos a porta da Top Suíte Master.
Simplesmente a melhor que havia no motel. Duas camas, sendo uma delas redonda, hidromassagem, sauna, barra de pole dance e, claro, uma mesa de jantar posta lindamente! Os primeiros momentos foram de entusiasmo, como quem acaba de ganhar um novo brinquedo. E não era tão diferente disso. O painel de luzes que mudava o clima do quarto nos entreteu por um tempo. Se nota que todos os detalhes foram pensados para passar a melhor experiência aos hóspedes - e nós queríamos aproveitar isso.
Era engraçado pensar que estávamos fazendo a primeira pauta de um jantar no motel. E tudo se tornou ainda mais inédito quando Andréia Cerioli, gerente da casa, nos convidou para conhecer os bastidores. Ela revelou uma estrutura imensa que sequer imaginávamos existir.
Pode ser que você já tenha se perguntado o que há atrás daquela portinha misteriosa em que passam as comidas e itens solicitados. Essa foi a pergunta de três jornalistas curiosas que não seguraram a surpresa ao passar para o outro lado. Uma porta lateral - sem maçaneta para fora - leva a um corredor que interliga todos os quartos, por onde passam os funcionários e as camareiras.
É um mundo à parte. Por ali, andam, por 24 horas, carrinhos de limpeza e de assistência. E, ao final do corredor, está o motivo da nossa visita: a cozinha. O chef Pedro Gianastacio nos apresentou cada ilha, desde o depósito até a estação de finalização. O grande desafio de uma cozinha que funciona sem parar, durante todas as horas do dia, é o armazenamento dos itens envolvidos na preparação de cada prato do menu. Afinal, não oferecer algum prato por falta de ingredientes está fora de cogitação.
O sistema da casa é à base do congelamento de todo mise en place. No freezer, estão separadas as caixas que levam os nomes de cada prato. Dentro delas, todos os itens necessários para fazer o preparo embalados à vácuo. Depois, passam pelo sous-vide: um equipamento que cozinha os alimentos em banho-maria e é sinônimo de modernidade e sofisticação nas cozinhas modernas.
A última etapa é no fogo, quando são finalizados na chapa ou na panela. Uma organização surreal, pensada para entregar agilidade e excelência. Até mesmo a escolha do tipo de grão para o arroz caldoso foi estudada nos mínimos detalhes.
Toda essa estrutura para uma cozinha de motel já ganha espaço nas manchetes. No entanto, fomos para saber se a comida era realmente boa. E, como a proposta era se jogar de cabeça na experiência mais inusitada que já vivemos, confiamos as escolhas das entradas ao chef.
Blim-blim! Levei um susto quando a campainha do quarto tocou. E, com todo sigilo e privacidade, deixaram na passagem as entradinhas da noite. Vieram pastel de ossobuco (R$ 27), harumaki vegano (R$ 25) e croqueta de porco (R$ 26).
Confesso que as expectativas eram altas. E, no mundo real, a gente sabe que a expectativa é a mãe da frustração. Mas, desta vez, fomos surpreendidas positivamente. As entradas estavam uma melhor do que a outra. Arrisco dizer que foi uma das melhores croquetas que já comi.
Para fechar o primeiro round, acatamos as sugestões do chef para os drinks. Dois autorais: o Gin Tônica Audace (R$ 35) e o Pisco Sur (R$ 25), a bebida que valeu por toda a noite. Ambos bem refrescantes, mas a mistura do Pisco estava indescritível. O sul (em espanhol) do nome não é à toa, já que a erva-mate e o limão-bergamota são uma homenagem à culinária gaúcha.
Um brinde a essa grande noite! Se a proposta era viver a experiência completa, não deixamos a desejar. Enquanto esperávamos os pratos principais chegarem, depois do pedido ter sido feito pelo telefone, com um atendimento impecável, aproveitamos para nos sentir mais à vontade. Agora sim, de roupão e pantufa no pé, a vivência estava completa.
Mais um susto quando a campainha tocou novamente. Abri a porta mágica e lá estavam eles: os dois primeiros pratos da noite. Começamos por um arroz caldoso com charque defumado (R$ 58). Ele é cozido no caldo de tutano, o que traz uma suculência ao prato e lembra comida caseira.
Na mesma leva, veio um bife ancho com molho brioche e brócolis ramoso (R$ 72). O angus estava no ponto que a gente ama: crocante por fora e malpassado por dentro. Se você quer saber qual é o nosso gabarito, veja a imagem abaixo.
Mal descansamos do segundo round e já fomos para o terceiro. Adivinhem, mais um susto com a campainha! Ao menos, eram sempre surpresas boas. E, desta vez, fomos surpreendidas por um stinco de vitela com nhoque de moranga (R$ 65). O susto valeu por cada pedacinho daquela massa. Crocante, saborosa e mergulhada no demi glace de cordeiro. Foi de tirar o fôlego.
O quarto e último prato foi um linguini com camarões (R$ 65), feito com massa artesanal e um toque de limão siciliano, que deixou tudo muito leve e fresco. Recomendo provar junto o drink Fuego (R$ 29), que traz uma sensação quente com a combinação das pimentas da bebida com a do prato.
Quando penso na sobremesa mais romântica que existe, logo me vem a imagem de um fondue de chocolate, com uvas e morangos. O fogo, o modo de comer, o doce e as frutas são a combinação perfeita para um clima de amor. Mesmo que no nosso caso tenha sido pelo amor ao prato, a felicidade foi geral quando, na sessão de sobremesas, estava essa opção.
A cena romântica dura até a primeira vez que alguém se suja que, por sorte, não fui eu.
Em uma tábua delicada, vem a banana, o morango, a uva verde e a roxa, além da charmosa fisális. O fondue serve duas pessoas e custa R$ 69. Mas, depois de todo o jantar, serviu quatro pessoas muito bem. O chef insistiu que provássemos a sobremesa que é marca registrada do motel, o Crepe Audette (R$ 32), uma releitura do francês crepe suzette com toque de bergamota e mel.
E, depois de quatro rounds, decretamos nocaute. Quem diria que um motel faria eu querer voltar para pedir as croquetas de porco. Uma tendência disruptiva de propor, além de um conjunto de outras experiências, também a gastronômica. E tomara que a moda pegue! Afinal, não existe hora nem lugar certo para comer e beber bem.
Depois de um jantar surpreendente, estávamos tão satisfeitas que nem deixamos a tensão de sair a pé nos abalar. Curtimos a tranquilidade de quem passou uma noite no motel à trabalho e aproveitando o que uma boa gastronomia pode proporcionar. São os prazeres da vida!
Audace Motel
Endereço: Rua Plácido de Castro, 40, no bairro Azenha
Fone: (51) 3095-1010
Reservas pelo site www.audacemotel.com.br
@audacemotel