A antropóloga americana Polly Wiessner, após mais de 40 anos estudando o comportamento de algumas tribos remotas na África, descobriu que as conversas ao redor do fogo variavam durante o dia e durante a noite. Guardadas às devidas proporções, foi possível fazer uma analogia com nossos antepassados mais remotos, pois os hábitos continuavam os mesmos: caçar, coletar, se reunir, comer e conversar ao redor da fogueira.
Durante o dia, o foco das conversas ficava em temas como as necessidades do grupo, relacionamentos e problemas sócio-econômicos. Já à noite, a tensão se dissipava e predominavam as conversas e relatos do passado, viagens, experiências distantes da tribo, longas histórias sobre mundo espiritual e os mitos. Sem falar nas danças, cantorias e banquetes.
Indiscutivelmente, foi ao redor do fogo que aprendemos a conversar, nos relacionar uns com os outros e transmitir as histórias, emoções, lendas, rituais e conhecimento - a verdadeira rede social universal e original. E é dessa rede que temos mais saudade.
Posto isso, tenho uma teoria. Desde que o churrasco entrou na minha vida de forma atávica, pude pesquisar e observar o quanto nós, seres humanos, precisamos desse espaço da fogueira e da comida, mais do que nunca. Não à toa, a gastronomia e as experiências ao redor de uma mesa ganharam uma importância tamanha nesse nosso tempo, louco e “líquido”.
Ouso afirmar que o churrasco é muito mais que um churrasco. É um resgate profundo neste universo imemorial. E vou além, é preciso estarmos atentos aos rituais e às conversas ao redor do fogo para continuamos tecendo essa rede de momentos mágicos de união e troca.
Por isso, independentemente do horário que você for preparar e comer um assado, capriche nos momentos. Não coloque tudo ao mesmo tempo na brasa. Leve um tempo para saborear as entradinhas, sem pressa. Olhe no olho, converse, conte histórias. Introduza um sabor, uma receita, uma possibilidade nova para mexer com as suas papilas gustativas e dos seus convidados. Aos poucos, vá colocando as carnes, os acompanhamentos, os cortes diferentes e especiais que você escolheu especialmente para aquele momento. Não ceda à pressões. Provoque o apetite. Provoque a elasticidade do tempo para conviver e conversar ao redor do fogo.
E, assim, o churrasco é orquestrado como um ritual, que ilumina as nossas necessidades mais primitivas e contemporâneas, de estarmos juntos valorizando um bom papo e uma boa comida, chamuscada de memórias e sabores. Quer receita melhor?
Em tempo, estarei em São Paulo, neste final de semana, para o festival Churrascada, o primeiro e mais desejado evento de churrasco no Brasil. Este ano, com o tema O Divino Churrasco, o festival quer resgatar o mais original e primitivo nos encontros. A minha participação, além das carnes assadas em fogo de chão, terá um espaço para uma fogueira, como atração principal, onde o público será convidado a sentar em volta e conversar um pouco sobre a aventura humana, roendo um bom osso de costela. Vai ser realmente divino.
Ótimo churrasco, meus amigos. Que essa fogueira ilumine a todos.