O propósito da entrevista com a atriz Laura Cardoso era falar sobre sua personagem na telenovela Mulheres de Areia, de 1993, que voltou ao ar na segunda-feira (26), em edição especial na TV Globo.
No entanto, Dona Laura, como costuma ser chamada por seus colegas de profissão, é muitas personagens. Mais que isso: é a própria história da telenovela brasileira. Aos 95 anos, com inacreditáveis oito décadas de carreira, a atriz tem no currículo mais de 60 folhetins — só na TV.
Ao lado de outros pioneiros, entre os quais vale citar Lima Duarte, Yara Lins, Lolita Rodrigues, Márcia Real, Fernando Baleroni (com quem Laura foi casada) e Vida Alves, todos oriundos do rádio e do teatro, ela ajudou a dar forma ao que se tornou, ao longo do tempo, um dos principais produtos culturais de massa do país — e artigo de exportação.
Por isso, a conversa com Laura passou pelo rádio, veículo ao qual ela se referiu em vários momentos da entrevista, e por sua paixão pela profissão que escolheu ainda adolescente, aos 15 anos.
— Gosto de estar com a minha gente — avisa, com os olhos brilhantes de uma iniciante, ao se referir aos colegas atores, técnicos, diretores e autores ao lado dos quais passou a maior parte de sua vida, em estúdios de rádio e de TV, nos palcos de teatros e nos sets de cinema.
Longe da televisão desde sua participação na novela A Dona do Pedaço (2019), Laura se divide entre o apartamento em que mora no bairro de Perdizes, pertinho do antigo prédio da TV Tupi, emissora que ela guarda nas memória com imenso carinho, e um sítio em Itu, no interior de São Paulo.
Diz mais: está pronta para uma possível próxima personagem — e continua contratada pela Globo. Enquanto isso, lê, uma de suas ocupações preferidas.
— Ator tem que se saber ler! E tem muitos que não sabem — reclama.
Laura se espanta ao saber que o remake de Mulheres de Areia foi ao ar há 30 anos.
— Tudo isso? — pergunta.
Escrita por Ivani Ribeiro, a novela foi produzida originalmente pela TV Tupi em 1973, com Eva Wilma no papel das gêmeas Ruth e Raquel. Na Globo, as gêmeas, uma boa e outra má, foram vividas por Glória Pires. Laura era Isaura, mulher do pescador Floriano (Sebastião Vasconcelos), mãe de Ruth e Raquel. Tinha preferência pela segunda, a de caráter duvidoso.
Holofotes
Laura conheceu Ivani Ribeiro nos tempos da Tupi. Da autora, também participou do remake de A Viagem, no papel de Guiomar, a sogra de Raul (Miguel Falabella), atormentada pelo espírito de Alexandre (Guilherme Fontes), um de seus papéis marcantes.
A atriz diz que nunca procurou os autores que lhe deram personagens — e foram muitos, como Gilberto Braga, Manoel Carlos, Gloria Perez e Geraldo Vietri — para pedir algo ou reclamar de cenas destinadas a ela. Dentre todos que trabalhou, tem apreço especial por um: Walther Negrão.
— Ele sempre me deu bons papéis.
Um desses foi a personagem Dona Sinhá, De Negrão, em Sol Nascente (2016), uma trambiqueira que se disfarçava de vovozinha para aplicar golpes. Fez também Pão, Pão, Beijo, Beijo (1983). Nesta, vivia a Donana, uma matriarca nordestina, com um sotaque perfeito, longe de qualquer estereótipo.
Laura diz que gosta de assistir às reprises das novelas de que participou. Segundo ela, para ver onde acertou e em qual cena poderia ter ido melhor. Também fica de olho nas novas gerações.
— Às vezes, tenho medo. Será que elas vêm para melhorar, estragar ou fazer algo diferente? Representar não é decorar e dizer o texto. É preciso estudar. Fazer um estudo sobre uma pessoa. Um personagem é uma pessoa! Por isso, é importante ler. E tem ator que não sabe ler — reclama, entre risos.
Para novelas estrangeiras, a atriz torce um pouco o nariz — ela gosta mesmo é do produto nacional, que ajudou a criar. Sabe que o gênero ainda vai continuar em alta entre o público, mesmo em meio a tantos novos produtos audiovisuais.
— A novela é uma grande ilusão. Por isso, não acaba.
Vaidosa
Laura confessa não ter sido uma ou outra atriz específica a sua inspiração para escolher a profissão. O que ela queria, a partir do que ouvia no rádio, assistia nos palcos de teatro e nas telas de cinema, era representar.
— Sou vaidosa, embora não pareça — diz.
Aprendeu tudo na prática, pela observação. Depois, por ser uma das pioneiras da turma que fez a transição das novelas de rádio para a televisão, tornou-se uma referência.
— Sim, fizemos essa escola sobre como fazer televisão. Aprendemos com nós mesmos. A gente errou muito, mas acertou muito também.
Filha de portugueses, Laura não enfrentou resistência do pai, um comerciante apaixonado por teatro e pelas artes, quando anunciou que gostaria de ser atriz. Já a mãe não gostou da ideia. As atrizes, naquela época, anos 1940, não tinham boa fama.
— Quem fazia teatro era p*ta. Então, eu era p*ta. Sou p*ta até hoje, porque eu defendo a profissão— compara, entre gargalhadas.
Para o suposto glamour da profissão, nunca ligou. Diz que não existe. Jamais se rendeu a tratamentos estéticos mais invasivos, embora alguns médicos lhe tenham oferecido cirurgias plásticas.
— Essa é a minha cara. Feia ou bonita, é minha — defende.
Na Globo desde o início dos anos 1980 — quando estreou na novela Brilhante, de Gilberto Braga —, Laura, que completará 96 anos em setembro, não pensa em parar. Se aparecer uma nova personagem, está pronta.
— Gosto de estar com a minha gente. Em um estúdio, nada me cansa. Quero morrer trabalhando.