Há 60 anos, o Brasil está acostumado a ver o sorriso de Silvio Santos na televisão. O apresentador, que estreou em 1962 no programa Vamos Brincar de Forca, teve sua história contada na série O Rei da TV, disponível no Star+ desde quarta-feira (19). Na atração, dirigida por Marcus Baldini, com produção de Caio Gullane, além de seu magnetismo — quase nato —, vamos poder acompanhar as fragilidades do Homem do Baú.
O pontapé inicial da série é o ano de 1988, quando o apresentador foi obrigado a se afastar dos domingos da sua emissora, o SBT, após descobrir um pólipo na garganta, que quase o fez perder a voz. A partir daí, vemos Silvio Santos, interpretado em três fases de sua vida pelos atores José Rubens Chachá, Mariano Mattos e Guilherme Reis, tendo de cuidar da saúde e lutando para manter seu lugar no SBT e a audiência do canal.
Contar a história de um dos maiores comunicadores do país, atualmente com 91 anos, é um desafio, tanto para os atores em cena, que precisaram criar um personagem que fugisse da imitação, quanto para o criador e para o diretor da série, que também tentaram ir na direção contrária da mera homenagem.
— Foi mais uma desconstrução do que uma construção (do personagem) — diz José Rubens Chachá em entrevista ao Estadão.
Responsável por dar vida ao Silvio mais maduro, é ele quem vemos perder a voz logo no início da história.
— É um personagem tão presente na vida de todo mundo... A gente tentou revelar o que ele não mostra na TV, o que ele vive no cotidiano, sua vida profissional, mostrando de forma fria como ele chegou aonde chegou — acrescenta.
A ideia é compartilhada pelo ator Mariano Mattos, que vive o Silvio mais jovem, dos 28 aos 45 anos.
— A responsabilidade de interpretar uma pessoa com esse alcance popular me levou a estudar e treinar muito, não no sentido da imitação, mas no da humanização desse cara, como ele sente, como pensa, como sofre — comenta.
Chachá e Mattos tinham referências para construir o personagem. Afinal de contas, interpretam um Silvio Santos que já aparece nas telas, registrado em anos de programas apresentados. Responsável por dar vida ao adolescente Senor Abravanel (nome real de Silvio), quando ele se aventurou como camelô nas ruas do Rio de Janeiro, o ator Guilherme Reis conta que o principal desafio foi mostrar um período da história do apresentador em que não há registros audiovisuais disponíveis.
— É muito louco pensar que eu tenho a responsabilidade de criar a próxima imagem que estará na cabeça das pessoas do que seria o Silvio Santos camelô — adverte. — Espero que o Silvio se reconheça naquela representação, seria divertido.
A série não é mera homenagem ao dono do SBT. Além de vermos um Silvio Santos fragilizado por causa da saúde, a história mostra alguns rolos em que ele se envolveu para construir seu império. Um exemplo é o modo como conseguiu se tornar proprietário do Baú da Felicidade, dando um pequeno golpe em Manuel de Nóbrega (1913-1976), interpretado por Cacá Carvalho — e perdoado em seguida.
Ou ainda a tática de usar a primeira mulher, Cidinha, fingindo que ela era uma desconhecida para convencer o público a comprar o carnê. Isso sem falar nos problemas fiscais da primeira loja física do Baú. Tudo isso entremeado com o cativante sorriso de Silvio, muito bem registrado por Mattos em cena.
— Acho que não teria sentido contar essa história se não fosse para mostrar a complexidade, trazer luz e sombra a um personagem que, como todo personagem rico, interessante e icônico, tem todos os lados — explica o diretor Marcus Baldini. — Acho fundamental que a gente entenda que o ser humano Silvio existe, que o magnetismo dele existe, que a gente possa explorar todos esses lados com dores, erros, acertos.
Feridas
A produção toca em pontos que talvez sejam caros ao apresentador. Por exemplo, em 1988, quando ele teve de ficar longe da TV, esperava-se que Gugu Liberato (1959-2019) assumisse o comando dos domingos. Essa não foi a decisão de Silvio, que, na série, prefere reprisar os melhores momentos do programa em vez de dar lugar a Gugu que, na época, comandava os sábados da emissora. Muito bem interpretado por Paulo Nigro, Gugu se aborrece com o patrão e corre para os braços da Globo, que tinha lhe oferecido um trabalho.
Segundo Chachá, este é um dos motivos que justificam contar a história do Homem do Baú:
— Mostrar que existe um ser humano ali e que ele é muito próximo de quem o assiste.
A verdade é que, como disse Baldini, "quem gosta de Silvio Santos vai adorar a série e quem não gosta, também".