Se a arte imita a vida (e vice-versa), não vai causar estranheza a indústria do entretenimento abordar a pandemia de coronavírus em seus enredos. Com os estúdios de gravações ainda fechados na maior parte dos países (apenas Reino Unido, Suécia, Dinamarca, Japão e Coreia do Sul ensaiam uma retomada), os roteiristas pensam, dentro de suas casas, em como continuar histórias paralisadas ou criar novas tramas para preencher a programação da TV e do streaming e, ainda, injetar fôlego em um setor seriamente afetado pela crise.
Linha de frente
No Brasil, a série médica Sob Pressão já transportou para a TV a precariedade do sistema de saúde pública do Brasil, com falta de respiradores, leitos e equipamentos básicos nos hospitais. Outro recente período de crise no país, a greve dos caminhoneiros em 2018, também foi abordado no seriado da Globo.
O coronavírus irá aparecer na quarta temporada de Sob Pressão, em fase de produção, com estreia prevista para 2021. Em entrevista à revista norte-americana Variety, Lucas Paraizo, redator final da série, revelou que um dos médicos da equipe retratada na trama será vítima da covid-19 no próximo ano. Além disso, ele pretende reforçar na história a necessidade de transformação social e de esperança frente às dificuldades.
"Não quero dar nenhum spoiler, mas um da nossa equipe médica morrerá. Precisamos mostrar como a tragédia chega aos médicos, porque também está acontecendo muito no Brasil (...). Uma das coisas que eu adoraria falar na quarta temporada, embora ainda não saiba como, é como podemos mudar nossos valores, a maneira como vivemos na sociedade. Como, em vez de pensar em 'eu'e 'você', começar a pensar em 'nós'", disse Paraizo.
Jorge Furtado, que escreveu as primeiras temporadas da série médica, ressalta a importância de colocar o tema em foco, muito por conta do protagonismo dos profissionais de saúde no combate à doença.
— Os médicos já eram heróis na série, agora nem se fala porque eles estão em risco também. Sob Pressão vai ter que tratar desse assunto — diz a GaúchaZH o cineasta e roteirista.
Nas novelas, a dúvida
Amor de Mãe e Salve-se Quem Puder são duas novelas da Globo com possibilidade de retratar o coronavírus, já que Nos Tempos do Imperador, outro folhetim com gravações interrompidas, é uma trama de época.
Porém, a decisão de colocar os personagens na realidade do distanciamento social, uso de máscaras e álcool gel ainda está sendo estudada pelos autores, que neste momento cogitam diferentes possibilidades para a continuidade das histórias. Há também a incerteza da retomada das gravações e como a rotina dos estúdios será afetada quando isso acontecer.
"Estão sendo estudadas várias possibilidades. Os autores estão nesse momento trabalhando em seus roteiros e avaliando se e como o tema entrará em suas obras", disse a Globo em um comunicado.
Analisando Amor de Mãe, por exemplo, a dúvida sobre colocar ou não o contexto da pandemia faz todo sentido. Isso porque o grande mistério da novela das 21h envolve a busca de Lurdes (Regina Casé) por Domênico, filho vendido pelo pai na infância. Como ela iria continuar investigando o paradeiro do jovem se a orientação das autoridades em saúde é ficar em casa? Manuela Dias, escritora do folhetim, deve trazer a solução para esse e outros questionamentos.
Para além do núcleo principal da novela, o tema poderá ser retratado através da figura de outros personagens, como o ativista Davi, interpretado por Vladimir Brichta. O ator inclusive declarou que isso irá acontecer durante entrevista ao programa Cinejornal do Canal Brasil: "A temática da covid-19 vai aparecer na segunda temporada e meu personagem vai debater sobre o que está acontecendo. É uma novela contemporânea, né."
Onde o coronavírus já foi visto na TV
O drama jurídico All Rise (ainda sem transmissão no Brasil) foi uma das tantas séries paralisadas pela pandemia. No entanto, a história não ficou incompleta. A produção achou um jeito de finalizar a primeira temporada usando o próprio coronavírus como contexto.
Gravado à distância, com cada ator registrando suas cenas por aplicativos como Zoom e Facetime, o último episódio foi ao ar nos Estados Unidos no dia 4 de maio. Os autores de All Rise escreveram o final da temporada inspirados nos acontecimentos atuais, onde a protagonista, a juíza Lola Carmichael (Simone Missick, de Luke Cage), foi autorizada a presidir um julgamento à distância justamente por conta da pandemia.
Além de usar efeitos especiais para mudar a decoração de fundo e preencher os cenários do elenco, foram captadas cenas externas para mostrar as ruas vazias devido às medidas para evitar a proliferação da doença.