Séries, programas e reality shows estão trilhando um novo caminho para seguir no ar em meio à pandemia de coronavírus. Já que está todo mundo em casa e ninguém sabe ao certo quando as gravações serão retomadas, por que não usar isso a favor do entretenimento?
Não por acaso, a cada semana aumenta o número de produções de TV feitas remotamente pela internet. O “cada um no seu quadrado”, famosa frase do hit brasileiro de 2007, nunca caiu tão bem como nesses tempos.
— Tudo que puder ser feito de casa é uma tendência. Daqui para frente, deve se evitar megalomania, vai se puxar o freio de mão no excesso de material para as cenas, como a gente se acostumou. Vamos seguir pela direção do mais rápido, mais simples, mais barato — acredita o professor de Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) João Martins Ladeira, pesquisador nas áreas de televisão, convergência de mídias, comunicação e formação socioculturais.
Apesar de dividir a tela da TV, deixar as produções com aspecto mais amador e contar com a ajuda dos "deuses da Internet" para que tudo saia dentro do planejado, já se tem bons exemplos de que esse novo formato dá certo. E mais, pode inaugurar uma nova tendência na indústria do entretenimento a partir de agora.
Cantoria que vem de casa
No final de abril, a famosa competição musical American Idol, há mais de 15 anos no ar nos Estados Unidos, se tornou o primeiro reality show a exibir na TV um episódio feito de casa e ao vivo. O apresentador Ryan Seacrest improvisou uma bancada em sua mansão na Califórnia, enquanto que os juízes Katy Perry, Luke Bryan e Lionel Richie estavam em diferentes cantos do país.
Acostumado a um único quadro, o telespectador viu a tela da TV se dividir em cinco cada vez que um competidor aparecia para mostrar seu talento em diversos cenários de suas casas, como quintais, sacadas, lagos, montanhas ou garagens.
O The Voice EUA também decidiu adotar o formato remoto a partir do início de maio. Os técnicos Kelly Clarkson, Blake Shelton, Nick Jonas e John Legend trocaram as famosas cadeiras vermelhas por confortáveis poltronas em suas casas. Apenas o apresentador Carson Daly esteve no estúdio principal, onde foi adotado um protocolo rígido de segurança, com medição de temperatura dos poucos funcionários presentes, uso de máscara e álcool gel.
O “feito em casa”, porém, gera uma série de consequências: tanto o The Voice quanto o American Idol foram encurtados. A (falta de) emoção ao cantar na frente de uma grande plateia também afetou as apresentações — teve até competidor que relatou ser difícil performar olhando para um celular ou somente para a família.
— Aqueles realities que demandam uma produção mais complicada, como deslocamento de pessoas, filmagens fora do ambiente controlado do estúdio, ao que tudo indica, serão evitados. O reality é parecido com outros tipos de produções, os cuidados são os mesmos: como você mantém as pessoas seguras no mesmo espaço de trabalho? — reflete Ladeira.
Debates online
Já para os talk shows é mais fácil estabelecer esse tipo de contato online e remoto. Lá fora, apresentadores como Jimmy Fallon, Ellen DeGeneres e Stephen Colbert também levaram seus programas para casa.
Aqui no Brasil, o Papo de Segunda e o Saia Justa, programas do canal de TV por assinatura GNT, também se aventuraram no formato, até então inédito na televisão brasileira. Apenas os apresentadores Fábio Porchat e Astrid Fontenelle foram deixados no cenário oficial.
Sem o corpo a corpo, as atrações acabaram ficando mais parecidas com o bate-papo via internet visto agora com frequência em lives no Instagram, tendo o famoso delay (atraso nas falas) como o grande inimigo. Para isso, o jeito é improvisar.
— Com essa coisa de teleconferência, quase que o programa não é tanto debate, porque não dá para ficar um falando em cima do outro. Vira um programa de opiniões mesmo. É interessante passar por essa experiência, porque nem teleprompter eu tenho. Vou conduzindo o programa pelo que estudei e pelas fichas que tenho na mão — comenta Porchat, que também investe em lives diárias em sua rede social.
— Como elas não têm retorno, o único retorno é minha cara, então tem uma hora que eu faço um negócio com minha cara que mostra para elas que está na hora de encerrar — conta Astrid sobre os desafios da condução do Saia Justa ao vivo junto com as outras participantes, que estão em casa.
A partir do dia 18, o Conversa com Bial, da Globo, também apostará no modelo. Pedro Bial irá fazer as entrevistas de casa, via internet, mas o programa será gravado antes de ir ao ar, para evitar contratempos.
Animações e efeitos especiais viram alternativa
A impossibilidade de colocar muitas pessoas dentro de um set de filmagens começa a abrir uma nova realidade no audiovisual: o abuso dos efeitos especiais para simular cenários e a aposta em animações.
— É muito provável que a gente comece a usar mais produções que simulem efeitos especiais para mostrar coisas que a gente não vai poder gravar ou para simular espaços interiores. Produções que dependam de menos figurantes também serão valorizadas — avaliou o professor da UFPR João Martins Ladeira.
Até então quase restritas a produções da Disney ou voltadas ao público infantil, as animações já são vistas como alternativas para seriados com gravações suspensas. A série de comédia One Day at a Time, ex-Netflix e agora no pequeno canal norte-americano Pop TV, decidiu produzir uma versão em desenho animado, com a dublagem dos atores para seus respectivos personagens. A novidade deve ser lançada ainda neste semestre.
A mesma alternativa foi usada para finalizar a sétima temporada de The Blacklist, outra série com gravações interrompidas. Com previsão inicial de 22 episódios, a produção só chegou ao capítulo 18. O 19° será híbrido, com cenas em live-action (com atores) e em animação no clima de histórias em quadrinhos, além de tomadas já gravadas. O episódio irá ao ar em 15 de maio nos Estados Unidos e 18 de junho no Brasil, no canal AXN.
A realidade na ficção
O coronavírus está afetando a indústria do entretenimento, fechando estúdios e impedindo aglomerações, mas, ao mesmo tempo, já está sendo explorado no enredo de produções de ficção. Uma série utilizou a pandemia para contextualizar um episódio gravado de forma virtual, feito inédito na televisão norte-americana.
All Rise (ainda sem transmissão no Brasil) levou ao ar no dia 4 de maio o último episódio de sua primeira temporada, gravado totalmente à distância, na casas dos atores, que usaram redes sociais e aplicativos como FaceTime e Zoom para a captação das cenas.
A produção usou efeitos especiais para mudar a decoração de fundo e preencher os cenários. No drama jurídico, a protagonista, a juíza Lola Carmichael (Simone Missick, de Luke Cage), foi autorizada a presidir um julgamento a distância por conta das medidas de isolamento social.