O Big Brother Brasil é um reality. Fato. Mas não faria tanta diferença para o público se o programa fosse colocado na grade como uma novela. Isso porque a narrativa vista geralmente nos folhetins também está presente na postura dos participantes dentro do confinamento.
Ao longo das 20 edições do BBB, vimos protagonistas, coadjuvantes e figurantes na casa. Mocinhos e vilões se enfrentaram, casais se formaram, traições ocorreram e corações foram partidos, entre tantos outros elementos que lembram muito os usados na dramaturgia.
— Isso se alimenta na nossa mente por um meio maniqueísta, de produzir personagens bons e maus. Nossa mente é treinada para buscar o bom e o ruim, o certo e o errado — explica Arthur Guedes, mestre e doutorando em comunicação e sociabilidade contemporânea pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Estruturado como um jogo em que o prêmio final é a quantia de R$ 1,5 milhão, o BBB se apresenta desde a primeira edição como uma disputa com poucas regras: não vale agressão física ou comportamento criminoso. O resto, em tese, está liberado, desde combinação de votos até atitudes dúbio. Mas o fato é que há todo um conjunto de outras regras estabelecido pela audiência. Ao longo das edições do programa, os brasileiros historicamente parecem consagrar como vencedores os jogadores que avançam sem parecer jogar.
Arthur Guedes, que participa de estudos sobre reality shows no meio acadêmico, afirma que, apesar desse caráter novelesco sempre ser uma proposta do programa, este BBB 20 apresenta uma dinâmica diferente (e mais fluída) das demais edições. O motivo: as redes sociais.
— Nas primeiras edições, só tinha TV aberta para assistir ao BBB. Hoje, tem pay-per-view, têm perfis nas redes sociais, e o consumo do programa se expandiu. As pessoas agora criam visões dos participantes através do compartilhamento. Cada vez esse processo está acontecendo de forma mais dinâmica, e o vilão dessa semana pode se tornar o mocinho na semana que vem — defende Guedes.
Vejamos, então, alguns capítulos que já marcaram ou poderão dar uma reviravolta na novela BBB 20.
De vilão, Prior pode se tornar mocinho
Essa fluidez de personagens no BBB 20 pode ser vista entre os participantes que foram apontados como os vilões desta edição: Petrix, Hadson, Lucas e Felipe Prior. Três já foram eliminados do reality.
Daniel e Ivy, selecionados da Casa de Vidro para entrar no programa, tiveram um papel crucial nesse episódio. A dupla interferiu drasticamente no jogo ao levar para o BBB a opinião negativa do público em relação ao grupo, colocando os homens como os maus da história.
Porém, de acordo com o estudioso, Prior pode se dar bem com a saída dos amigos.
— Até pelas questões de assédio e abuso, eles automaticamente caem nesse quesito de vilão. Porém, o público costuma ter empatia pelo excluído, por mais que a pessoa seja meio grosseira e não construa relações lá dentro. Se a pessoa fica solitária, esse jogo pode virar — falou Arthur Guedes, referindo-se a Prior, que hoje possui apenas Babu Santana como aliado.
De protagonista, Marcela vira mera coadjuvante
Na primeira semana de reality, a médica paulista já era favorita ao prêmio de R$ 1,5 milhão. Ao lado de Thelma, mostrou-se uma das líderes do movimento das mulheres dentro da casa. Levantou bandeiras contra o machismo e o preconceito.
A chegada de Daniel, no entanto, afetou seu protagonismo na casa. O público acha que Marcela não está sendo ela mesma por causa do romance com o gaúcho.
— Marcela era a mocinha, tinha todo um universo de proteção em volta dela. Com a chegada do Daniel e o relacionamento dos dois, tudo mudou. Agora, ela pode até ser vista como vilã em algum momento pela sua relação com Gizelly. Elas são amigas, mas a Gizelly gostaria de algo a mais — refletiu Guedes.
Daniel, o protagonismo que escorreu pelos dedos
Daniel, assim como Ivy, tinha a faca e o queijo na mão para se tornar um grande protagonista na novela BBB. Por conta da Casa de Vidro, os dois possuíam informações valiosas que afetaram diretamente no jogo.
A popularidade do gaúcho, contudo, vem caindo nos últimos dias por conta de algumas atitudes que estão irritando o público e os próprios participantes, como desperdício de comida e opiniões polêmicas.
— Daniel não soube lidar com isso, ele chegou na casa muito inflamado e sem reflexão. Faltou ele refinar o discurso. Ele pareceu um papagaio, repetindo o que ele ouviu e viu. Tem uma certa discrepância do discurso que ele adota na casa. Parece que fica só na superfície — analisou o estudioso em reality shows.
Guilherme e Gabi, casal de novela mexicana
O dramalhão envolvendo o casal Guilherme e Gabi daria um bom romance em uma novela mexicana. A sister se mostra sensível em relação ao brother e, costumeiramente, aparece chorando pelos cantos quando o modelo não lhe dá atenção — ou dá atenção para outras, como foi o caso do flerte com Boca Rosa.
— É muito sofrimento para nada, um casal cheio de frases feitas, de clichês — disse, rindo, Arthur Guedes.
Falando em Boca Rosa, a postura de Bianca Andrade no reality ainda é considerada duvidosa pelo estudioso.
— Ela não está entendendo o peso que é estar lá dentro, ela perdeu seguidores ao ficar tentando relativizar coisas que não tem como relativizar, como a questão do assédio com Petrix. Tentando se manter neutra, um não posicionamento já é um posicionamento em um reality show.
E os figurantes?
Por enquanto, Victor Hugo e Ivy são as "plantas" do BBB 20. Suas participações são meras figurações em toda a trama do programa. Mas ainda pode haver uma salvação para um deles:
— Com essa questão do crush em cima do Guilherme e não sabendo lidar com isso, o Victor Hugo leva para o programa o amor platônico e questões de identidade, por ser assexual. Isso pode valorizá-lo no jogo — refletiu Guedes.
Rafa x Flayslane e o protegido Pyong
A treta entre Rafa Kalimann e Flayslane incendiou após a última prova do líder. Sem saber, a influenciadora indicou a cantora ao paredão. As duas não se bicam desde o início do programa, apesar de serem do mesmo grupo de divisão da casa (mulheres x homens).
— Nessa narrativa, a forma como a câmera mostrou a prova do líder já deu elementos para o público acirrar esse conflito. Filmou Flayslane chorando desesperada após saber do paredão e depois a Rafa, com cara de paisagem, colocando uma contra a outra — notou Arthur Guedes.
Estrategista assumido, Pyong é o participante que mais observa o todo da casa. Seu papel nessa trama ainda não foi abalado.
— Pyong chegou a assediar a Marcela, mas não foi colocado nessa postura de vilão por ainda ser considerado um dos mocinhos lá dentro, apesar de ser intrometido, estar sempre cuidando o que os outros fazem — finalizou o estudioso.