Embora não seja figura frequente em novelas, Lucio Mauro Filho, 45 anos, não sabe o que é estar fora da TV desde a estreia de A Grande Família, em 2001. O ator permaneceu no seriado, como o Tuco, até 2014 e, de lá pra cá, vem colecionando projetos bem-sucedidos na telinha. Mas a superexposição de sua imagem não o incomoda. No ar como o editor Mário, em Bom Sucesso, e com uma trajetória consolidada na comédia, o artista tem se deliciado com as novas possibilidades na carreira:
– Me sinto totalmente realizado. É uma felicidade muito grande trabalhar com o que se ama, alcançar sucesso, reconhecimento dos colegas e do público. Não há mais nada que um artista possa querer.
Neste bate-papo, Lucinho, como é conhecido no meio artístico, fala, com seu senso de humor único, sobre a experiência em novelas, faz um balanço de sua carreira e comenta momentos opostos na vida pessoal: a perda do pai e mentor, o humorista Lucio Mauro, em maio, em decorrência de um AVC, e o nascimento da filha caçula, Liz, em fevereiro de 2018.
Estamos habituados a curtir o teu trabalho em seriados e em peças de teatro. Como é a adaptação ao formato e ao ritmo de gravações de uma novela?
Como A Grande Família (interpretou Tuco, de 2001 a 2014) durou quase 14 anos, longevidade é comigo mesmo, nada me assusta (risos). Em Malhação (Viva a Diferença, temporada de 2017, em que viveu Roney), foram 13 meses, e, nesse caso, meu personagem lidava com um elenco jovem. Então, tive uma demanda que me preparou muito para essa novela (Bom Sucesso). Realmente, eu considero Malhação a minha universidade para as novelas. Eu me preparei ali para qualquer rojão. Estou vendo, ainda, o Mário como uma coisa tranquila, estou curtindo essa novela, sabe? Em Malhação, como tinha muita coisa e havia os atores jovens – para eles, eu era o veterano –, tinha uma responsabilidade em como me portar, em dar o exemplo. Para eles, quando me viam chegar mais cedo, antes de todo mundo, era uma coisa que mobilizava. E eu sabia da importância. Nessa novela, não tenho tanto essa responsabilidade. Dessa forma, tenho mais tempo para estudar as nuanças das cenas e furar a camada do óbvio.
Como estás te sentindo ao emplacar este papel de destaque em Bom Sucesso, como Mário?
O mundo das novelas abre um leque especial para mim, porque sou veterano e novo (no mundo das novela) ao mesmo tempo. O feedback do público é legal. Tem muita gente que queria me ver assim. Posso fazer vilão, doido, mocinho. Tenho uma possibilidade infinita de personagens. As pessoas ainda estão curiosas em me ver, pois, no mundo das novelas, sou novidade.
Teu personagem tem uma dose extra de humor, não?
De humor, não, mas ele é bem-humorado. Ele é sarcástico e muito provocador. Tem no ambiente de trabalho (a editora Prado Monteiro) essa especificidade, que é o fato do marido de Nana (Diogo, Armando Babaioff) também estar por ali porque é o advogado da empresa. Existe um embate, uma implicância dele com o cara, e vice-versa. O personagem do Baba é um cara manipulador e está sempre armando. O Mário é um contraponto. Ele é um cara da paz, mas que tem as suas armas também.
Como é a troca com a Fabiula Nascimento (intérprete de Nana, por quem Mário é apaixonado em Bom Sucesso), que já foi sua parceira na peça 5X Vezes Comédia?
Ainda está leve. Nana é uma personagem muito séria, e o Mário, na verdade, fica tentando quebrar essa seriedade dela. A gente ter que ter um cuidado, pois a intimidade que temos em cena, ao mesmo tempo em que ajuda, às vezes, pode atrapalhar. Não podemos atropelar a dramaturgia. Às vezes, fica aquela ansiedade de fazer uma palhaçada, de já ir para esse lugar, mas vai ter tempo para isso. Agora, eu acho que o Mário ainda se apresenta um pouco como o coitadinho. Mas calma! Vai virar essa situação.
Como tu vês o mercado para o ator hoje, em tempos de novas mídias, redes sociais e streaming (plataforma de serviço por assinatura)?
Eu acho que só melhora, embora, por um lado, a gente tenha visto a cultura ser descredibilizada por um governo maluco, que mistura as bolas e não entende que cultura não tem nada a ver com partido, é algo do povo. Cultura é o que a gente fala, o que a gente come, o que a gente vive. Então, é impossível apagar a cultura de um país por mais que queiram. Mas, mesmo com toda essa descredibilização da cultura, o mercado audiovisual acompanha a chegada do streaming e de outras plataformas. É um novo jeito de fazer mesmo, e tudo isso vai abrindo espaço para novos atores. O teatro, é o seguinte: sobrevive do jeito que for, com pano, com talco. Já disseram que estavam dando muito dinheiro para o teatro (em governos anteriores)! Eu acho que não, mas tudo bem, aceito esse argumento. Mas vamos fazer teatro sem dinheiro e, talvez, até com mais criatividade. Então, momentos de crise, geralmente, são maravilhosos para a cultura. Mesmo com tudo o que está acontecendo, eu vejo um horizonte positivo para os artistas.
Existe um vazio pela perda recente do teu pai, Lucio Mauro, em maio?
Eu aproveitei com ele tudo o que pude e me sentia no dever de ter serenidade para viver esse momento. Um homem de 92 anos que parte... não existe nenhuma tragédia nisso, não existe surpresa, ainda mais para um cara que viveu a vida que o meu velho viveu: na plenitude, com todas as alegrias de carreira, com filhos, com família. A gente devia isso a ele, celebrar a vida, não a morte, porque a morte é um lugar onde todo mundo vai chegar.
A morte é um dos temas centrais de Bom Sucesso. Você se preparou para essa perda?
Foi uma passagem muito tranquila. A família estava preparada. E, por coincidência, vem um trabalho no qual o assunto é a perda. A gente começou a preparação com o papai vivo, e ele morreu no comecinho das gravações. Agora, já estou tranquilo para falar sobre o assunto. Isso, de uma certa maneira, foi ótimo para o projeto porque eu pude, de fato, dividir essa experiência com meus colegas. Nada como um projeto: Bom Sucesso chegou para isso, para trazer também ocupação, que é importante para a cabeça e para um coração machucadinho. Fora a felicidade de estar entre amigos. Estou muito bem cercado. Fui acarinhado nesse momento difícil. E ainda tem esse ambiente extremamente confortável para trabalhar, de gente competente, talentosa, com garra e que gosta de fazer, como é o meu caso. Estou no melhor dos mundos.
Um pouco antes, no entanto, nasceu Liz (a caçula de Lucinho e de Cíntia Oliveira, que nasceu em fevereiro de 2018. Eles também são pais de Bento, 16, e de Luiza, 14).
A Liz veio no meio do furacão. Eu estava fazendo PopStar (participou da primeira temporada do reality show, em 2017), Malhação e Escolinha (do Professor Raimundo). E o cara ainda vai lá e faz mais um filho (risos)! Foi surpresa (a gravidez), em uma troca do DIU (dispositivo intrauterino que atua como contraceptivo). Imagina só: nossos filhos com 16 e 14 anos, tudo resolvido e aí... Na hora, ficamos um pouco nervosos, porque costumamos planejar tudo, e, de repente, a vida trouxe algo assim, sem planejamento. Ela é uma criança espetacular, dorme a noite inteira, acorda às 9h... Não dá trabalho nenhum. Não tem babá, porque quem cuida são os irmãos. Então, (o nascimento) uniu a família, promoveu um entendimento de geração, do que é o ciclo, e chegou antes do vovô (Lucio Mauro) partir, deu tempo de eles se conhecerem. Os sinais que ela traz são os melhores, de união, carinho e afeto.
Tua imagem na TV é constante desde 2001, com a estreia de A Grande Família. De lá pra cá, são vários trabalhos em sequência. Tens medo de uma superexposição ou de cansar a tua imagem?
Isso é comum na minha vida. No começo de A Grande Família, eu estava também no Zorra. Aí, durante o Zorra, fiz também o seriado Sexo Frágil (2003). Agora, mais recentemente, eu era visto em Malhação (Viva a Diferença, 2017), Escolinha e no PopStar, no qual era julgado, ao vivo, todo domingo, com todo aquele nervosismo, era assustador. Fiquei sem folga por três meses, trabalhando de domingo a domingo.
Tu, literalmente, cresceste em frente às câmeras. O público te trata um pouco como filho ou como membro da família?
Os fãs me viram começando com 20 anos (a estreia foi na novela A Viagem, em 1994, com o personagem Caíto) e, hoje, me enxergam um cara maduro, de 45 anos, com toda essa história. As pessoas acompanharam a minha vida porque não saí do ar. Eles me viram formar família, virar adulto, até chegar ao cúmulo de interpretar um avô em Malhação, um vovô gato, jovem, mas vovô (risos). O público tem muita intimidade comigo, mas acho que ele não enjoa: torce para que eu ainda surpreenda, para ainda mostrar uma coisa nova, o que também é um incentivo.
Qual é o segredo do sucesso de A Grande Família, que, volta e meia, é reprisada na TV aberta e nos canais a cabo?
Viemos no ambiente de mudanças do país, na virada do milênio, e fizemos as crônicas daquele momento. E nada parece ter mudado. As pessoas continuam se identificando. Realmente, ultrapassou qualquer expectativa.
Nesses mais de 20 anos, tens muitos projetos de sucesso e personagens inesquecíveis. Já fizeste um balanço da carreira?
O desafio é sempre o melhor combustível. Me sinto totalmente realizado. É uma felicidade muito grande trabalhar com o que se ama, alcançar sucesso, reconhecimento dos colegas e do público. Não há mais nada que um artista possa querer. Sinto que trilhei um caminho certo, bonito. Ao mesmo tempo, ainda tenho muita lenha para queimar. Já tinha realizado um trabalho muito grande na linha de shows. Durante 18 anos, aprendi o que tinha que aprender. E aí, vim para um lugar onde, aos 45 anos, ainda sou novidade.
*Viajou a convite da Globo.