Longe das novelas desde Velho Chico (2016), Antonio Fagundes, 70 anos, retorna à TV no centro de uma trama que promete investigar a morte para celebrar a vida: em Bom Sucesso, novela das sete que estreou na segunda-feira (15), seu personagem, Alberto, descobre que tem apenas seis meses de vida. A partir daí, a forma como o dono da editora Prado Monteiro conduz seus últimos dias muda de perspectiva. Figura celebrada na teledramaturgia, além de Bom Sucesso (trama escrita por Rosane Svartman e Paulo Halm), o ator, aos 55 anos de carreira, está no ar em mais três reprises, atualmente: Por Amor (1997), na Globo, Terra Nostra (2000) e Porto dos Milagres (2001), ambas no canal Viva.
– Ainda tem muita coisa para fazer – afirma o artista.
Neste bate-papo, Fagundes fala sobre seu novo protagonista, o prazer da leitura, sua aversão à tecnologia e às redes sociais e faz uma crítica contundente à cultura do imediatismo, que domina nossas vidas.
Algum fato chegou a desestabilizar sua perspectiva de vida, assim como a morte iminente muda a de Alberto?
Assim com essa gravidade, não. Mas o que a novela vai propor, e que eu acho bonito, é que essa virada de perspectiva do Alberto não é negativa. Ele percebe que, talvez, não tenha vivido tanto quanto imaginou, até descobrir que tem pouco tempo. Nesse pouco tempo, quer aproveitar, que é o tema do livro da Ana Claudia Quintana Arantes, A Morte É um Dia que Vale a Pena Viver (leitura de apoio do elenco de Bom Sucesso).
Segundo os autores de Bom Sucesso, Alberto e Paloma (Grazi Massafera) – ele oriundo da zona sul do Rio de Janeiro e ela, da zona norte – serão os responsáveis por despolarizarem a trama e mesclarem universos opostos. Qual é a importância disso?
Precisamos começar a olhar para o outro. Sem o outro, você não existe, não muda, não cresce. Sem a opinião contrária, você vira um imbecil. Precisamos de crítica, de confronto para evoluir. Essa é uma das propostas da novela: os personagens acabam vivendo em uma comunhão tal, que as pessoas mais espertas vão entender que é um caminho bom.
Há algum papel que você ainda gostaria de fazer?
Eu brinco que ainda quero fazer 1.800 papéis. Shakespeare escreveu 37 peças, e eu só fiz uma (do autor). Então, ainda tem muita coisa para fazer, só não sei se vai ter vida para tanto, mas estou tentando.
Então, nem pensa em aposentadoria?
Enquanto tiver fôlego, vou estar em cena. Principalmente, em teatro. A televisão é mais fácil de fazer. Teatro é uma coisa que exige demais de você, mas ainda estou “dando no couro” (risos).
Está assistindo à reprise de Por Amor (em que interpretou o personagem Atílio)? A novela de Manoel Carlos, apesar de estar no ar pela quinta vez, continua batendo recordes de audiência.
De vez em quando, eu assisto, sim. Não tenho muito tempo. É ótima, né? É uma novela que tem outro ritmo, e o público não se ressente disso, pelo contrário, sente saudade daquele tempo em que você parava e ficava vendo a novela. Hoje em dia, as novelas estão muito rápidas. Não sei se a Rosane (Svartman) e o Paulo (Halm) vão mexer um pouco nisso. Talvez, sim, fazendo cenas com mais tempo, não entrando nessa “neura” das novas mídias, que são todas muito rápidas. Por Amor está aí para mostrar o contrário (dessa lógica). Esses dias, vi uma cena minha com a Regina Duarte (Helena) que tinha 15 minutos, só nós dois, deitados na cama conversando. Duvido de que alguém tenha desligado a televisão no meio dela. Eram cenas boas, que davam tempo de você refletir junto com os personagens, entrar na problemática deles. O público não se cansa se tiver conteúdo, se o que os personagens estiverem falando for pertinente ao que a trama está propondo. Ele vai assistir a 20 minutos de cena, porque se interessa pelo outro, pelo que o outro pensa. Em 30 segundos, você não vai passar isso, precisa de mais tempo.
Acha que essa agilidade habitual empobrece as histórias?
Eu acho que, nessa fase de transição que estamos passando, ela cria um outro tipo de pensamento que nós ainda não sabemos se é bom ou ruim, mas é mais veloz. Mas sabemos, por exemplo, que se você está acostumado a ver uma imagem a cada três segundos, se ela durar cinco, já vai ser cansativo. Esse é um sintoma ruim, porque você está perdendo o foco, o interesse por coisas que não sejam superficiais. E quando só se quer coisas superficiais, você está perdendo alguma coisa, porque a vida não é superficial.
Já afirmou que é um leitor ávido, com uma invejável média de dois livros por semana. Quanto tempo reserva, atualmente, para colocar suas leituras em dia?
O tempo está diretamente ligado ao interesse. Se você tem interesse, o tempo vai aparecer. Eu garanto: se conseguir se concentrar e ler um bom livro por semana, sua vida vai mudar. Mas não estou mais contando (o quanto lê).
Qual é a relevância de abordar, em uma obra televisiva, o universo literário em um país onde a maioria da população costuma ler pouco?
A televisão, de certa forma, vem preencher o vácuo da leitura no Brasil. As estatísticas são terríveis: pelo menos 80% (da população) jamais leu um livro e, dos 20% que já leu, a média é de um por ano. Isso quer dizer que um cidadão vai levar 30 anos para ler a obra de Jorge Amado (1912–2001), por exemplo. Quem lê só um livro por ano, naturalmente, tem um conhecimento bastante reduzido. Não é esse aparelhinho maldito (o celular) que vai te passar informação, pois ele só te dá a informação rápida. O livro, não: você convive com ele, raciocina junto, te faz pensar, pois você passa mais tempo com ele. Isso é importante.
Tem ojeriza às redes sociais?
Acho uma perda de tempo. Tem coisas interessantes, sim. Mas, no mais, é bobagem. As pessoas não estão percebendo por que algumas já se esvaziaram completamente.
*Viajou a convite da Globo.