Na sala de uma casa de classe média, um senhor de cabelos brancos tenta levantar o astral de um jovem cabisbaixo. Oferece um doce que lembra a culinária da mãe do rapaz e se arrisca a cantar em inglês para fazer graça. Nada parece funcionar. O desânimo de Kadu é mais uma daquelas histórias contadas constantemente nos jornais: jogador de futebol prodígio que faz sucesso no Exterior, ganha muito dinheiro, desfruta do sucesso, mas, ainda jovem, vê a carreira entrar em declínio.
Amante de futebol, o roteirista e diretor gaúcho Paulo Nascimento (de longas como Em Teu Nome e A Oeste do Fim do Mundo) ficou instigado pelo ciclo desses jovens atletas que passam do estrelato à ruína emocional e decidiu tratar do tema em uma série de TV. Com cenas gravadas em Porto Alegre, Eldorado do Sul e Guaíba, Chuteira Preta é um convite para pensar o mundo futebolístico além das quatro linhas – a estreia deve ocorrer no fim do ano no canal por assinatura Prime Box Brazil.
– Observo que, nos Estados Unidos, há muitas produções que envolvem o esporte, basquete ou beisebol. Às vezes, a gente não entende nada, mas curte pela história. A ideia aqui é desenvolver uma série que aborde o mundo do futebol, o submundo que envolve o jogador – explica Nascimento, que conversou com Zero Hora no set de gravações em uma casa no bairro Jardim Itu Sabará, na zona norte da Capital.
Esse lado B é contado a partir da história de Kadu, vivido por Márcio Kieling, que decidiu voltar às origens para reencontrar a alegria de entrar em campo. Em sua cidade natal (a trama não se passa em Porto Alegre) retoma o contato com quem o fez tomar gosto pelo futebol: o tio Jair (Nuno Leal Maia), craque nos anos 1970 que nunca se importou com dinheiro e fama e, hoje, é dono de um bar.
– São conflitos pouco abordados no mundo do futebol, e a série pode incomodar bastante gente. É uma história fictícia, mas tem semelhança com a vida real – conta Kieling, ator que nasceu em Porto Alegre e jogou nas categorias de base do Inter e do Grêmio.
Para traçar o perfil desse jogador em conflito, Nascimento contou com a colaboração de Tailor Diniz e Gilberto Perin na construção do roteiro. Outro auxílio importante foi o do psiquiatra Nelio Tombini, que ajudou o trio a mergulhar na cabeça desse personagem. O universo que envolve o atleta fora de campo pode ser muito mais complexo do que parece.
Da religião às negociatas
Da família que depende do sustento mensal à questão da religião – tema comum nos vestiários –, passando pela manipulação de resultados por criminosos. Nascimento e sua equipe juntaram elementos de histórias reais para chegar ao drama vivido por Kadu – inclusive com inspiração nas experiências do elenco, já que, além de Kieling, Nuno também viveu o futebol como jogador e treinador.
– O que estamos fazendo aqui é 10% do que temos para levantar do tapete. Abordamos coisas quase ficcionais, mas que infelizmente não são, como a manipulação de resultados. É surpreendente – opina o diretor.
Com 13 episódios, Chuteira Preta, que já tem um segunda temporada confirmada, é uma produção da Accorde Filmes, empresa da qual Nascimento é sócio, e conta com financiamento via Fundo Setorial do Audiovisual. O elenco inclui ainda Kadu Moliterno, Nicola Siri, Marcos Breda, Zé Victor Castiel, Ingra Liberato e Maria Zilda. Na direção de fotografia, está Renato Falcão, que integrou a equipe de animações como Rio e O Touro Ferdinando, do estúdio americano Blue Sky.
Enquanto Chuteira Preta não chega à TV, será possível acompanhar o trabalho de Nascimento no cinema: em maio, o diretor estreia dois longas no circuito nacional e também finaliza mais uma série documental.
VEM AÍ
Outras produções de Paulo Nascimento:
3 de maio
Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos – Filmado em Porto Alegre, o drama é estrelado por Edson Celulari e pela atriz argentina Soledad Villamil.
31 de maio
Superfície da Sombra – Adaptação do livro de Tailor Diniz, com Leonardo Machado e o urugaio Cesar Troncoso.
Sem data de estreia
Em finalização, série documental que o diretor e o ator Leonardo Machado gravaram nos EUA, com viagem de moto que cruzou o país de Nova York a Los Angeles.