Fotos Accorde Filmes, Divulgação
O cenário é de western, e as motocicletas remetem aos filmes de estrada.
Mas o novo longa do cineasta Paulo Nascimento é um drama intimista sobre um trio de personagens jogado em uma paisagem monumental e desértica.
Zero Hora acompanhou os últimos dias de filmagem de A Oeste do Fim do Mundo na fronteira entre a Argentina e o Chile, aos pés da Cordilheira dos Andes - "um lugar amplo, onde a gente pode se reencontrar", na definição do realizador. A vastidão do horizonte e a majestade das montanhas impressionam no set montado pela produção perto de Uspallata - cidade argentina de menos de 4 mil habitantes a 100 quilômetros de Mendoza, perto da fronteira com o Chile. O vilarejo é um centro turístico movimentado o ano inteiro: no inverno, visitado por quem quer esquiar na neve; no verão, por quem se aventura a escalar o Aconcágua - o maior pico do mundo depois das montanhas do Himalaia.
- Foi uma conjunção de bons fatores que me levou a filmar aqui. Gosto de lugares assim, devo ter vivido no Velho Oeste no passado. É um pouco como experimentar a liberdade de John Ford (diretor americano de faroestes), que ficava acampado dois meses no set - brinca Nascimento, que filmou durante 13 dias na região.
Originalmente, o diretor e roteirista gaúcho pretendia filmar na Patagônia, "mas os argentinos estão filmando muito por lá, aquela paisagem tem aparecido muito no cinema". Uspallata surgiu então como uma opção - apesar de Brad Pitt ter inflacionado os preços: o astro americano filmou no local a aventura Sete Anos no Tibet (1997), de Jean-Jacques Annaud, colocando a cidade no mapa do cinema - recentemente, foi rodado naquelas paragens o bangue-bangue cômico Lucky Luke (2009), estrelado pelo ator francês Jean Dujardin, de O Artista (2011).
- Tudo começou há quatro anos, quando li uma matéria sobre a Guerra das Malvinas informando que, dos 10 mil soldados enviados para o conflito com a Inglaterra em 1982, cerca de 400 se suicidaram. Fiquei impressionado com esse número e comecei a desenvolver essa história sobre perdas e solidão - explica Nascimento.
Na trama, León (César Troncoso) é um ex-combatente que trabalha e mora em um posto de combustíveis na estrada transandina, no meio do nada. Divorciado de seu passado, o argentino mantém uma silenciosa e seca amizade com Silas (Nelson Diniz), misterioso motociclista brasileiro que vive de negociar peças de veículos e aplicar pequenos golpes. A inércia de León é quebrada com a chegada inesperada em sua "estación de servicios" de Ana (Fernanda Moro), jovem brasileira que abandonou o marido violento e perdeu o ônibus que a levaria ao encontro da mãe e da irmã no Chile. A presença da estrangeira perturba o solitário frentista - e aos poucos León e Ana começam a dividir segredos e amarguras.
- O León é um cara que tem muita dor no peito. Na minha família, havia um tio que tinha muito do León. Também sinto essa necessidade de silêncio - disse Troncoso, protagonista de O Banheiro do Papa (2007) e atualmente em cartaz com Infância Clandestina (2011), indicado pela Argentina para o Oscar de filme estrangeiro.
Com orçamento total estimado em R$ 2 milhões, a coprodução entre Brasil e Argentina teve apenas 16 dias de filmagem - além das locações andinas, o longa teve cenas rodadas em Bento Gonçalves e Cambará do Sul. Graças ao sistema de produção econômico e eficiente de Nascimento - registrando praticamente todas as cenas em apenas uma tomada e montando o filme à medida em que ia sendo rodado -, A Oeste do Fim do Mundo deve estar pronto em breve: 15 de fevereiro de 2013.
- O Steven Soderbergh (cineasta americano) diz: a velocidade é disciplinadora. Quando o ator sabe que só vai ter uma tomada, ele dá tudo de si - teoriza o diretor de Valsa para Bruno Stein (2007) e Em teu Nome... (2009).
* Roger Lerina viajou a Uspallata a convite da Accorde Filmes
Born to be wild
> Para interpretarem seus papéis em A Oeste do Fim do Mundo, Nelson Diniz (acima) e César Troncoso tiveram que aprender a andar de moto. O clima no set, aliás, lembrava o clássico filme Sem Destino (1969): o diretor Paulo Nascimento e o ator Leonardo Machado - que não atuou, mas trabalhou como produtor - foram até Uspallata e voltaram de lá a bordo de suas potentes Harley-Davidson.
- Fiz o Silas como um cara simpático, fora do registro de personagem que geralmente sou convidado a fazer. Resolvi cortar o cabelo, que estava comprido, e deixar bigode, compondo um visual de mexicano misturado com Dennis Hopper em Easy Rider - contou Diniz.
Nelson Diniz x Brad Pitt
> A passagem de Brad Pitt por Uspallata é lembrada até hoje pelos moradores da cidadezinha. Reza a lenda que o ator americano teria doado uma das casas erguidas pela produção do filme Sete Anos no Tibet para que o vigia de um sítio arqueológico local pudesse se abrigar. No restaurante do hotel onde a equipe de A Oeste do Fim do Mundo se hospedou, a turma do filme de Paulo Nascimento marcou presença: algum gaiato colou a foto de Nelson Diniz sobre o retrato do marido de Angelina Jolie pendurado na parede (acima).
Um filme do Mercosul
> O caráter internacional de A Oeste do Fim do Mundo também está atrás das câmeras: entre os 32 integrantes da equipe técnica reunidos pelo diretor Paulo Nascimento, havia brasileiros, argentinos, chilenos e uruguaios.
Um dos desafios dessa turma foi erguer as duas casas de alvenaria onde o personagem León vive e trabalha - e que foram oferecidas depois do filme às autoridades locais, servido agora como posto de informações turísticas de Uspallata. Todos os objetos de cena, como a caveira de gado ao lado, foram garimpados em casas e lojas da região.