Pouco mais de seis meses após ter assumido o Ministério da Cultura, Margareth Menezes realizou nesta quinta-feira (22) sua primeira visita a Porto Alegre como titular no cargo. Ela ainda cumprirá agenda na capital gaúcha nesta sexta (23).
Natural de Salvador (BA), a ministra trilhou trajetória artística não só como cantora, mas também no teatro e na gestão cultural. Aos 60 anos, ela aceitou o convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para assumir um ministério descaracterizado, que havia sido transformado em secretaria no governo anterior.
Em entrevista a GZH, Margareth falou sobre investimentos no Estado, Lei Rouanet e os desafios da pasta.
Você assumiu uma pasta que passou por desmonte nos últimos anos. Diante desse cenário, que balanço você faz de seus primeiros seis meses como ministra da cultura?
Houve uma desestruturação. Realmente, um desmonte. Várias coisas foram deixadas sem finalizações de prestações de contas de projetos. Foram desconectadas as informações do ministério para a Receita Federal em relação aos projetos que recebiam patrocínios. Era terra arrasada mesmo. Com a redução do ministério a uma secretaria, a pasta não dava conta do tamanho das ações para todas as áreas que são necessárias para poder fazer políticas públicas para a cultura, em que tem audiovisual, direitos autorais, livro e leitura, várias políticas que são específicas. Uma secretaria não dá conta, ainda mais em um país gigante como o Brasil.
Havia também uma má vontade em fazer as coisas. O ministério foi usado para perseguir artistas, descontextualizar leis de fomentos, perseguir a Lei Rouanet. Foi muito forte aquela ideia de que a Rouanet daria dinheiro para artista, que seria "mamata", desconsiderando as verdades sobre o fomento. Foi um trabalho muito grande que encontramos lá. Contando com o Márcio (Tavares) como secretário executivo, fomos montando uma equipe muito bacana, trouxemos pessoas de conhecimento técnico para as áreas mais sensíveis. Por isso estamos tendo resultados. Hoje estamos com a estrutura montada, já colocando em ação editais em todas as secretarias, as vinculadas também, como Iphan, Ibram e Fundação Palmares. Essa última tivemos que providenciar outra estrutura.
Hoje, fazendo esse balanço do que estamos conseguindo entregar, diante do tempo entre o remontar e o colocar em ação, acho que é uma avaliação positiva. Também temos um cuidado muito importante de fazer tudo com diálogo com o meio. Em todos os decretos e ações, estamos abertos às críticas também, pois é importante você saber onde estão os pontos sensíveis para buscar soluções.
Basicamente, um momento de reconstrução da pasta.
Isso, mas tem novidades. Vamos ter representações do ministério em todos os Estados. Estamos criando comitês de cultura para ficar mais perto do setor, fazendo conexão com o povo, criando esse movimento e concretizando o sistema nacional de cultura.
O Ministério da Cultura, pelo que vejo, tem trabalhado em divulgar a aplicação da Lei Paulo Gustavo. Mas, além disso, a Lei Aldir Blanc 2 estava para ser regulamentada agora, não? Qual a situação?
Exato, vamos começar essa regulamentação e lançá-la ainda este ano. Durante cinco anos, esse aporte continuará chegando às cidades, o que vai auxiliar bastante o setor.
Há planos do ministério visando o RS? A Lei Paulo Gustavo, por exemplo, prevê um investimento de cerca de R$ 200 milhões para a cultura do RS.
É o aporte da Lei no Rio Grande do Sul. É muito bom. Essa lei emergencial é um pertencimento ao setor. Ao todo, são R$ 3,8 bilhões que estão sendo distribuídos para todas as cidades, um momento importante para a retomada do ministério. Além disso, aqui em Porto Alegre, o ministério está auxiliando na recuperação do Mercado Público, com previsão de R$ 5 milhões para a próxima etapa, através do Iphan. Até o final das obras serão investidos 13 milhões. (Está auxiliando) na climatização geral e na restauração da cobertura do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), investimento de R$ 6,5 milhões, obras com recurso do Fundo de Direitos Difusos. Também um anúncio de investimento de audiovisual do MinC de R$ 1 milhão para o Festival de Cinema de Gramado deste ano.
Entendemos que existe essa necessidade de descentralização, porque a cultura no Brasil acontece em todas as regiões
MARGARETH MENEZES
Ministra da cultura
Um discurso que tem se repetido entre as gestões culturais é o de descentralização. Seja no âmbito estadual ou municipal. Imagino que também seja um ponto importante para uma pasta federal. No caso, trabalhar os fomentos em regiões periféricas do Brasil ao pensar a cultura, sem o foco excessivo no Sudeste. Para o ministério, como isso está sendo pensado?
A descentralização do fomento é uma de nossas metas. Durante muito tempo, houve uma concentração do fomento no Sudeste, concentrado em Rio e São Paulo. A gente entende que ali existe um setor da indústria cultural forte, com produtoras de cinema e emissoras de TV, isso tudo faz com que essas duas cidades absorvam mais os fomentos. Contudo, entendemos que existe essa necessidade de descentralização, porque a cultura no Brasil acontece em todas as regiões. É preciso que se distribua isso de uma maneira mais coerente. Essa é uma das reclamações da população em relação à Lei Rouanet, então estamos focados nisso. Estamos mantendo diálogos com as empresas justamente para conscientizar, porque nessa prerrogativa nova, o ministério também pode propor ações. São várias mudanças que estamos fazendo para fortalecer essa descentralização.
Falando sobre Lei Rouanet, esse fomento sofreu intervenções nos últimos anos. Houve uma concentração ainda maior na mão dos secretários da cultura sob a gestão de Bolsonaro. A Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que passou meses sem funcionar, havia perdido força de atuação. Em abril, o ministério reverteu algumas dessas questões por meio de instrução normativa. No entendimento de vocês, o que ainda pode ser aperfeiçoado além da descentralização?
Para fazer esse novo decreto, nós ouvimos o setor. Renovamos uma instrução normativa mais aderente ao fazer cultural. Isso dificultava muito tanto para o agente cultural quanto para a administração do ministério em relação à transparência com o fomento. Todos esses pontos nós demos atenção para esse novo decreto, para essa nova instrução normativa. Como acabamos de lançar, leva um tempo para o setor perceber essas mudanças positivas.
É uma lei que foi especialmente atacada por alguns setores da sociedade nos últimos anos.
Mais por uma falta de conhecimento da potência que existe nessa Lei, que tem mais de 30 anos (instituída em 1991). São tantos projetos bacanas que acontecem pelo Brasil por causa da Rouanet, de transformação social. Estamos falando de orquestras, de centros culturais, incentivos às carreiras de vários artistas, mas agora queremos fazer essa realidade repercutir no resto do país. Essa é a nossa grande meta. Tanto a Paulo Gustavo quanto a Aldir Blanc 2 já fazem parte dessa ação de descentralização do fomento.
Falando do setor audiovisual agora, você comentou ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, que a regulamentação das plataformas digitais está nos planos do ministério. De que maneira vocês visam aplicar essa regulamentação? Não teria nada a ver com o conteúdo, certo?
Tem a ver com a regulamentação dos direitos autorais do setor, dos trabalhadores da cultura. É uma pauta no mundo inteiro. Hoje muitos países estão buscando esse processo de regulamentar. É um direito do setor. As plataformas têm tido uma lucratividade muito alta no Brasil, que é o segundo maior consumidor e não tem a contrapartida do direito autoral.
O desenvolvimento de jogos eletrônicos foi incluso na Lei Paulo Gustavo. Há um entendimento do ministério que games também são produtos culturais?
É uma cultura nova e urbana. Precisamos ter essa leitura também. A meninada produz e interage com isso. Esse ambiente digital também faz parte das linguagens culturais da nova geração. Temos que ter uma atenção também a esse setor, a essa identidade cultural.