Para muitos que compareceram ao Gigantinho na noite de 16 de maio de 1990, houve uma surpresa. Ao trazer o show do disco Rei Momo (1989) a Porto Alegre, David Byrne também apresentou a futura ministra da Cultura do Brasil para boa parte do público. Naquele momento, a cantora baiana Margareth Menezes engatinhava na carreira, mas já se fazia notar como uma potência no palco. Roubava a cena.
Ela acompanhou o músico escocês (radicado nos Estados Unidos) na turnê mundial do álbum. E os dois promoveram uma noite memorável na capital gaúcha, diante de aproximadamente 5 mil pessoas.
Com Rei Momo, Byrne lançava sua estreia em carreira solo — embora antes tenha gravado My Life in the Bush of Ghosts (1981) em parceria com Brian Eno. Ele era guitarrista e vocalista do Talking Heads, importante banda do new wave, que, com o decorrer do tempo, assimilaram influências de ritmos de diferentes cantos do globo, sendo atrelados também ao rótulo da world music. Aliás, houve quem fosse ao Gigantinho esperando um show com mais hits do grupo nova-iorquino, mas que acabou se frustrando. No ano seguinte, o Talking Heads chegaria ao fim.
Naquele momento, Byrne se debruçava nas sonoridades latinas com Rei Momo — como a cumbia, samba, merengue, mambo, entre outros ritmos. Ao ouvir Margareth cantar, ele se impressionou com a força da voz da baiana.
Até então, a cantora havia lançado dois discos: o álbum de estreia, Margareth Menezes (1988), e Um Canto Para Subir, que saiu no começo daquele ano. Natural de Salvador (BA), Margareth integrou na infância o coral de Boa Viagem, bairro onde cresceu. Apaixonada por música desde pequena — seus pais costumavam reunir a família em volta do aparelho de som para ouvir nomes como Clara Nunes e Jackson do Pandeiro —, ganhou seu primeiro violão na adolescência. Foi nessa época que ela iniciou a carreira artística, mas como atriz.
Após um período no teatro, a partir da segunda metade dos anos 1980, Margareth começa a focar em seu talento para a música. No final da década, o trabalho da cantora atravessaria fronteiras, saindo em turnês internacionais e com seus discos sendo lançados no Exterior. Contudo, ao subir no palco do Gigantinho, Margareth ainda não era muito conhecida no Brasil. Com a turnê acompanhando Byrne, ela começou a pavimentar uma projeção maior.
Show dançante
Antes de Byrne e Margareth subirem ao palco, houve um pouco de drama. O equipamento do artista atrasou para chegar a Porto Alegre, e o show foi transferido de terça-feira (15) para quarta (16).
Margareth abriu o show, cantou duas músicas no meio e participou dos vocais o tempo inteiro, com "grande desenvoltura e personalidade", como descreveu a resenha escrita pelo então repórter de Zero Hora Gilmar Eitelwein, em texto publicado no jornal em 19 de maio de 1990. O texto refere-se à apresentação como "dançante", que trouxe "rumbas, merengues, cha-cha-cha, bolero, lambada, cúmbia, samba, afoxés e a leitura latinizada de alguns pops do Talking Heads".
O jornalista lembra que foi um show simples, com um bom som, mas sem muitos efeitos de iluminação no palco. Era mais sustentado na música.
— David estava apresentando um repertório próprio e lembrava algumas coisas da sua banda — recorda Eitelwein. — Lembro dele enaltecer a música e os ritmos brasileiros, estava encantado com as sonoridades e os ritmos que estava descobrindo por aqui. Referia-se a Margareth Menezes como um talento da música negra e pop brasileira, genuína.
O jornalista Márcio Pinheiro, que também estava lá, ressalta que Byrne teve tudo a favor naquela noite:
— Ele estava em alta, com disco fazendo sucesso e banda afiadíssima. Me lembro que a Margareth, que ninguém no RS conhecia, ela não participava do show todo. Tinha aquela coisa exótica, para época, de cantora baiana de Carnaval, que ganharia uma dimensão maior pouco tempo depois com a Daniela Mercury.
O filmmaker porto-alegrense Rogerio Gil também aponta que foi um show dançante:
— Lembro de a banda ter vários integrantes e ter um naipe de metais bem legal. Todos vestiam branco. Na época, não tinha noção de quem era a Margareth Menezes e nem me dei conta que era brasileira. Fez backing vocals e dançou bastante. Achei divertido, conhecia apenas o trabalho dele no Talking Heads e a faixa Make Believe Mambo, que tocava no rádio.
Hoje morador de Canoas, Tadeu Pereira vivia em Osório naquela época. O consultor de rede de prestadores de serviço de saúde sempre foi fã de rock e colecionou LPs. Empolgou-se com a oportunidade de ver ao vivo alguém do Talking Heads. Segundo ele, o show atendeu às expectativas.
— Havia muita gana em ver um vocalista como ele, de uma banda enorme. Era aquela expectativa de um cara que esperava ver umas coisas e viu bem mais do que a vida proporciona. Byrne aproveitou cada elemento instrumental da banda. A acústica do Gigantinho não influenciou em nada. Vi um cara diferenciado, que busca sempre mesclar a cultura dos países na música — diz Tadeu.
Ele recorda que, naquela época, o público esperava ver Byrne interpretando músicas do Talking Heads, como Burning Down the House e Psycho Killer. Aliás, em entrevista a Zero Hora, realizada no dia anterior ao show e publicada em 20 de maio de 1990, o músico lamentou: "A maior parte do público não tem familiaridade nenhuma com os ritmos que estou tocando, só com o rock n' roll. A maioria dos brasileiros parece não conhecer samba, mas conhece rock".
Lembro bem do impacto que a voz da Margareth Menezes teve em mim. Baita performance!
LUIZA MILANO
professora dos cursos de Fonoaudiologia e de Letras da UFRGS
Porém, houve quem fosse ao Gigantinho pelo fator Talking Heads, mas saísse de lá com os olhos brilhando pela performance de Margareth. É o caso de Luiza Milano, professora dos cursos de Fonoaudiologia e de Letras da UFRGS. Ela foi ao show porque era muito fã da banda, nem conhecia a artista baiana. Porém, ela conta que o contraste de vozes e estilos foram impactantes.
— Estava acostumada a curtir Talking Hands, aquele som super urbano, moderno e cosmopolita. David Byrne já tava nessa vibe de world music na época, mas eu ainda não tinha sido fisgada. Daí surge junto uma mulheraça com uma baita presença de palco e um vozeirão, que bota guitarra e bateria como coadjuvantes atônitos — lembra Luiza. — Eu, na época fonoaudióloga recém-formada, lembro bem do impacto que a voz da Margareth Menezes teve em mim. Baita performance!
Ela sublinha que foi ao show pelo David Byrne do Talking Heads, mas saiu do Gigantinho como fã de Margareth:
— Outra coisa que lembro como efeito desse show era perguntar para os amigos: "Mas como assim tu não conhece Margareth Menezes?" (risos).