Anunciada nesta quinta-feira (22) como nova ministra da Cultura, a cantora Margareth Menezes é vista com entusiasmo por artistas e produtores culturais. Aos 60 anos, ela assume a pasta para repetir a fórmula que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), utilizou em seu primeiro mandato, quando contou com um músico no cargo — Gilberto Gil, entre 2003 e 2008. Antes, ela já fazia parte da equipe de transição de governo.
A secretária da Cultura do Rio Grande do Sul, Beatriz Araújo, afirmou, por meio de pronunciamento nas redes sociais, que o órgão recebeu "com grande alegria" a notícia. Também relatou estarem na "expectativa de contar com um ministério democrático, representativo e que se organize com base na inovação institucional para ampliar a abrangência das políticas culturais e alcançar todas as regiões do país".
— Nós saudamos a ideia de realizar uma força-tarefa para erguer o novo Ministério da Cultura e reiteramos a nossa disposição de reforçar os princípios de democratização, regionalização, diversidade e muita representatividade — destacou.
Descrevendo Margareth como "artista baiana, nordestina como Gilberto Gil", Beatriz ainda disse confiar que a cantora "saberá retomar o plano nacional de cultura para atualizá-lo com base no diálogo já iniciado com o segmento cultural durante a transição".
— Com a sua experiência em arte e educação na formação de jovens, a ministra poderá contribuir para que a cultura cumpra o seu papel na construção de um Brasil menos desigual, mais justo e democrático.
Para o diretor de teatro e gestor cultural Jessé Oliveira, Margareth é uma das surpresas mais importantes entre os anúncios de nomes para compor o governo Lula:
— Trata-se de uma mulher negra e nordestina da proporção de Margareth, uma artista consagrada que todos nós conhecemos. Ela é comprometida não só com cultura popular, mas também com a realização e transformação das pessoas por meio de ações culturais. Estou absolutamente satisfeito e ao mesmo tempo entusiasmado com o que possa vir de transformação.
O diretor de teatro cita o projeto Fábrica Cultural, o que demonstraria a capacidade de gestão de Margareth. Fundada em 2004, a organização não governamental tem a finalidade de desenvolver projetos nas áreas de educação, cultura e produção sustentável na Península de Itapagipe, em Salvador. A partir de 2014, a ONG passou a abrigar o centro cultural Mercado Iaô, que promove música, artes visuais e gastronomia.
Jessé observa que Margareth precisa ter "verticalidade" dentro do ministério, além da capacidade de escolher seus colaboradores:
— Ela não pode se tornar apenas um capital simbólico, capturado dentro de um status quo que muitas vezes pretende se perpetuar. Margareth não pode ser apenas isso, tem que ganhar a proporção que a sua trajetória merece.
Conforme a cineasta e jornalista Camila de Moraes, o grande desafio para a nova gestão na área da cultura é promover a reestruturação do ministério para o benefício da sociedade. Por isso, ela acredita que a escolha do nome de Margareth Menezes para assumir esta pasta é muito assertivo.
— É a compreensão de que as mulheres são "flechas de evolução", como a própria bem canta. Maga, como é conhecida no seu território baiano, tem uma vasta experiência no cenário cultural — aponta Camila. — Por toda essa trajetória, é muito simbólico para nós, e falando especificamente na condição de uma mulher negra, poder ver este nosso reflexo no espelho, nesse cenário político cultural. Margareth Menezes afirma com o poder dessa voz inigualável que ela tem que podemos estar em qualquer lugar, assumir qualquer posto, transformando vidas e a sociedade por meio da cultura.
A cineasta observa que Margareth sempre fez conexões com a música e a cultura negra, levando a cultura brasileira para o Exterior. Ela não tem dúvida de que a nova ministra fará "uma revolução no setor".
A cantora, compositora e atriz Pâmela Amaro destaca que a escolha da Margareth Menezes é representativa para a cultura brasileira que leva a força das africanidades. Segundo ela, a nomeação também presenteia a pluralidade das bases culturais do país e traz coerência ao projeto do novo governo de trazer mulheres negras a posições de poder.
— Na sua trajetória, que é tão sólida, Margareth enfrentou muitos apagamentos dentro da cultura da Bahia, sendo ícone da musicalidade baiana, tão embranquecida midiaticamente — avalia Pâmela. — O desafio é erguer uma estrutura sólida de manutenção de crescimento para o setor da economia criativa de modo a incentivar os trabalhadores da cultura — acrescenta.
O poeta, letrista e ensaísta Ronald Augusto salienta que não é mera coincidência o fato de o nome indicado para representar a pasta ser mais uma vez de uma pessoa negra. Contudo, o que sobra de um lado significa escassez de outro, ele realça.
— A contribuição dos negros no campo da cultura é tão saudada e reiterada que, do meu ponto de vista, chega e constituir às vezes uma espécie de estereótipo — analisa Augusto. — Nosso corpo hiperestetizado como forma de compensação à suspeita racista sobre nossa capacidade de pensar, emprestada do europeu, claro, nossa musicalidade, nossas formas de vida voltadas ao ritmo, ao sagrado. Enfim, tudo isso parece nos fazer talhados para as coisas culturais e sensíveis, afinal ninguém vive sem arte.
Ronald Augusto acha importante a indicação de Margareth Menezes por ela trabalhar aspectos da cultura transformadora no universo das comunidades periféricas, valorizando manifestações que surgem no seu interior. Porém, pondera:
— Sobram qualidades e méritos a Margareth Menezes. Mas falta ao governo Lula, ao menos até agora, coragem e ousadia para indicar pessoas negras para cargos e funções menos óbvios. Durante a campanha, o presidente fez diversos acenos aos movimentos negros sugerindo que a luta contra o racismo seria uma pauta forte em seu mandato. Se essa disposição se resumir apenas à indicação de Margareth ao Ministério da Cultura, só posso concluir que isso significará um descaso com relação aos votos de milhares de negros e negras que contribuíram para lhe dar nas urnas a vitória tão longamente aguardada.