Depois de se apresentar no Pepsi on Stage e pedalar por Porto Alegre, o cantor David Byrne publicou um texto sobre a cidade no próprio site. O artista escocês enalteceu construções como o Anfiteatro Pôr do Sol, o Centro Administrativo Fernando Ferrari e a Fundação Iberê Camargo — que lamentou não estar aberta. Mas lastimou o abandono do aeromóvel na região da Usina do Gasômetro.
No relato, intercalado com 11 fotos, ele ainda destacou as ciclovias da cidade, achou estranha a quantidade de Walmart que encontrou pelas ruas e disse que o edifício-escada perto do Beira-Rio não devia ter sido construído ali.
Byrne, que fez seu show no dia 22 na Capital, não deixou de comentar os problemas de segurança pública do país, ressaltando que foi aconselhado a não caminhar até um restaurante à noite: "É um país parcialmente sitiado por seus próprios habitantes. Um preço da desigualdade é a perda de liberdade".
Leia o relato na íntegra:
"Porto Alegre, uma cidade inacabada
Dias atrás, tocamos em Porto Alegre, Brasil, para um público maravilhoso, em um armazém perto do aeroporto. Ao entrar no lugar, meu coração afundou um pouco - era uma caixa semelhante a um hangar, com barras espalhadas. Eu não achei que seria bom para o som, ou confortável para o público... Mas estava errado, pelo menos em parte. O entusiasmo do público mais do que compensou qualquer deficiência do local.
O diretor musical da minha seção de percussões, Mauro Refosco, tem um amigo na cidade com um estúdio de gravação. Então, depois de desembarcar na véspera do nosso show, alguns de nós foram lá para uma sessão e, em seguida, para um churrasco brasileiro — o que significa montes de carne.
Me disseram que havia seguranças posicionados do lado de fora do estúdio. No Brasil, isso é comum. É um país parcialmente sitiado por seus próprios habitantes. Um preço da desigualdade é a perda de liberdade. Também fui aconselhado a não caminhar para um restaurante próximo à noite. Pensei: 'Passei minha vida em todos os tipos de bairros de Nova York, essa área não me parece muito perigosa'. Mas acatei o conselho (por ora).
Um grupo de cicloativistas chamado Loop entrou em contato conosco, então na manhã seguinte fomos encontrá-los para uma volta de bicicleta. Um casal que produz roupas para ciclismo e um professor de arquitetura também se juntaram. Nos levaram para uma volta na cidade, seguida de um passeio adorável ao longo do rio.
O ciclismo está pegando por aqui, apesar de ainda enfrentar alguma resistência. Em 2011, um motorista intencionalmente abriu caminho com seu carro por dentro da manifestação do grupo Massa Crítica.
Trágico e horrível — apesar de eu simpatizar com os que consideram que, às vezes, a tática do Massa Crítica de bloquear o trânsito não é a melhor forma de ganhar apoiadores.
Porto Alegre é uma cidade jovem — tem 200 anos, mas parece ainda mais jovem do que isso. Existem ciclovias! Algumas, inclusive protegidas do trânsito. Não por todo lado, mas parece haver uma malha considerável e crescente; é possível circular com bastante segurança. Passeamos por alguns parques adoráveis e passamos por um prédio enorme e singular. É o Centro Administrativo Fernando Ferrari. A construção do prédio começou em 1976. Apesar de, me disseram, ter sido logo interrompida. Eventualmente, recomeçou, mas quando isso aconteceu, os andares superiores projetados foram descartados do projeto. Finalmente abriu em 1987.
Mais adiante, passamos pelas ruínas de um sistema de transporte elevado. O inovador projeto, Aeromóvel, foi desenhado por um engenheiro local, Oskar Coester. Os veículos foram criados para se mover em uma pista elevada, com propulsão a ar, e viajando 1.010 metros em cerca de 90 segundos. E, sendo elétricos, não poluem.
O sistema foi parcialmente construído e, depois, abandonado, décadas atrás. Um veículo solitário está parado, inacessível, no meio da pista.
A tecnologia era boa. Funcionava, e as ideias do engenheiro foram adotadas na Indonésia e em outros lugares. Citei aquele velho ditado, de que o talento nem sempre é reconhecido onde é criado; meus companheiros de viagem concordaram.
Fomos então para um lindo caminho ao longo do rio. Um do nosso grupo faz ali sua rota diária para o trabalho, o que deve ser ótimo — quem não preferiria isso ao trânsito de Los Angeles ou São Paulo?
Paramos para tomar uma água de coco perto de um ponto onde há um anfiteatro gratuito a céu aberto. Ele foi construído por um discípulo de Niemeyer, o conhecido arquiteto brasileiro (mais dele e seu trabalho a seguir). Era para ter sido feito totalmente em concreto, como são os prédios de Niemeyer, mas em certo ponto aço foi usado. À distância, é imperceptível. Adorei a ideia de um teatro público e gratuito, e shows musicais ali. Se alguém imaginar as colunas amarelas como quadris — é um discípulo de Niemeyer, afinal de contas —, então a sexy protuberância ao fundo não será surpresa.
Passamos por uma enorme loja chamada BIG — o que não era exagero algum. É propriedade do Walmart, e algumas vezes vimos mercados BIG e Walmart nas mesmas estradas. Walmart foi pego subornando servidores de governos na América Latina para driblar regras comerciais e receber os melhores locais.
Uma entrada: um dos integrantes do grupo disse que seu avô costumava nadar ali sempre, seu pai às vezes, e ele e seus amigos, nunca.
Chegamos na Fundação Iberê Camargo, um museu de arte do famoso arquiteto Álvaro Siza, com um design espiral semelhante ao Guggenheim. Infelizmente, o orçamento para artes foi cortado aqui em Porto Alegre, e agora o museu está aberto apenas dois dias por semana. Em seguida, passamos pelo estádio do Internacional - visto aqui atrás de um campo com mato alto.
Há dois times em Porto Alegre - o vermelho e o azul. Originalmente, o vermelho (e branco) Internacional era identificado com os trabalhadores, o que parece óbvio, dado o nome e a cor. Hoje, quase não há distinção entre os torcedores. Internacional ganhou vários títulos nacionais e internacionais. Essa cidade vai muito além de seu tamanho no futebol - muitas vezes rivaliza com São Paulo.
Próximo ao estádio, há um complexo residencial "ilegal" — não deveria ter sido construído no morro. Mas nos anos 70 e 80, quando eles foram construídos, ou os oficiais foram subornados ou não deram atenção.
Finalmente, chegamos de volta a nosso hotel. Muito obrigado à Loop e a todos os outros, que foram tão generosos nos mostrando tudo, e parabéns pelo excelente trabalho que todos estão fazendo.
Nosso show foi incrível. Fomos embora na manhã seguinte — um terminal aeroportuário estava sendo demolido, pertinho do nosso portão."