Por Luís Francisco Wasilewski
Pesquisador Teatral , pós-doutorando na UFRJ
Foi pelas mãos de Irene Brietzke (1944-2021), falecida no dia 14, que Porto Alegre teve entre o final dos anos 1970 e meados dos 1990 a presença constante de Bertold Brecht em seus palcos. Foram várias as encenações do dramaturgo alemão assinadas por ela. E que se tornaram sucesso de público e crítica – sim, houve um tempo que isso existiu no teatro gaúcho.
Seu espetáculo de formatura no Curso de Direção Teatral da UFRGS, em 1971, foi A Cantora Careca, clássico do Teatro do Absurdo escrito por Eugène Ionesco. Antes, trabalhou como atriz em espetáculos como Dona Rosita, A Solteira, de Federico García Lorca, sob direção de Maria Helena Lopes, e A Ópera dos Três Vinténs, de Brecht, assinada por Luiz Paulo Vasconcellos, em 1969. Esta foi a primeira incursão brechtiana de Irene. Em 1978, após ver a montagem de O Casamento do Pequeno Burguês dirigida por Luiz Antonio Martinez Corrêa com o grupo Pão e Circo, leva ao palco o texto com seus alunos da UFRGS. No elenco estavam Denize Barella, Mirna Spritzer e Antônio Carlos Brunet. Com os três, ela cria o Teatro Vivo, cujas encenações impactaram a cena local entre 1979 e 1994.
É com uma releitura de Frankenstein, de Mary Shelley, batizada de Frankie, Frankie, Frankestein que a companhia se lança, em 1979. Na crítica para a Zero Hora, em 2 de novembro, Claudio Heemann escreveu: “Irene Brietzke está se firmando como o mais sólido talento de diretor teatral aparecido entre nós nos últimos tempos”.
Brecht aparece novamente no trabalho posterior do Teatro Vivo. Faço menção a Salão Grená, musical cuja dramaturgia se alicerçava no rico repertório de canções criadas pelo autor alemão em sua parceria com Kurt Weill. Em 1982, a diretora começa a singrar a dramaturgia brasileira encenando O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. Texto escrito em 1933 e que teve sua lendária montagem em 1967, assinada por José Celso Martinez Correa com o Teatro Oficina. Esta entrou para a história da cultura brasileira por ter sido um dos fundamentos do Movimento Tropicalista.
As incursões do Teatro Vivo, capitaneado por Irene com autores nacionais, continuam quando leva à cena dois textos de Naum Alves de Souza, No Natal a Gente Vem te Buscar e A Aurora da Minha Vida. E também com o incrível sucesso comercial de Parentes entre Parênteses, de Flávio de Souza, que levou multidões aos teatros em Porto Alegre.
O grupo retorna a Brecht em 1984, com a montagem, no Instituto Goethe, de O Casamento do Pequeno Burguês. Na ZH de 8 de maio de 1984, Heemann sugeriu o próximo trabalho brechtiano do grupo: “Mais uma vez o bom rendimento do Teatro Vivo, elaborado sobre o mundo de Brecht, sugere uma possibilidade que aparece estar ao alcance do grupo. Por que não montam Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny, de Weill-Brecht? É uma obra-prima que Porto Alegre ainda não viu em português. A equipe de Irene Brietzke parece estar pronta para lançar-se a esse tipo de voo alto”.
Em 1988, seguindo a previsão do crítico, leva ao palco do Instituto Goethe Mahagonny, que cumpre quatro meses de temporada na casa de espetáculos em Porto Alegre. Retorna ao universo do autor alemão com Um Homem é um Homem, em 1994. Para esse espetáculo, com a finalidade de levar à cena o conceito “Verfremdungseffetkt”, que já foi traduzido para o português como “distanciamento brechtiano”, optou por narrar a história da personagem Galy Gay com um elenco exclusivamente feminino.
Na mesma década, também volta a trabalhar como atriz em espetáculos como Onde Estão Meus Óculos?, de Karl Valentin, no qual retorna ao universo do Teatro do Absurdo. E também com New York, New York, texto da austríaca Marlene Streeruwitz que radiografa uma noite passada em um banheiro público europeu. Os dois espetáculos foram dirigidos por Miriam Amaral, com quem manteve uma longeva parceria.
Irene também descobriu o potencial dramatúrgico das crônicas de Martha Medeiros. Trem-Bala, montado em 2000, levou aos palcos alguns textos escritos por Martha para Zero Hora. Outro espetáculo assinado pela diretora a levar multidões aos teatros de Porto Alegre.
Sua morte marca o desfecho de uma trajetória artística brilhante. E que marcou a cena teatral gaúcha.