O impasse do Prêmio Trajetórias Culturais - Mestra Sirley Amaro segue sem conclusão. Após idas e vindas, com três listas distintas de agraciados, o pagamento aos 1,5 mil artistas contemplados que estava previsto para a terça-feira (15) não ocorreu. Diante da situação, os profissionais da cultura lançaram um manifesto ao governador Eduardo Leite solicitando a distribuição dos montantes, acenando com a possibilidade de judicializar o caso.
Responsável pela iniciativa, a Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul (Sedac) alega que a liberação dos recursos depende da retificação de informações prestadas pelo Instituto Trocando Ideia, organizador do projeto. A instituição, por sua vez, aponta que a secretaria não seguiu a combinação que havia sido feita, apresentando cada vez mais diligências ao longo do processo e impedindo que todas fossem cumpridas até a data limite dos pagamentos. No meio disso, profissionais do setor decidiram juntar-se para exigir seus direitos — especialmente após a morte da rapper Malu Viana no sábado (12), vítima de infarto após contrair e se recuperar da covid-19.
— As pessoas estão morrendo. As pessoas estão adoecendo. Não é brincadeira. Os contemplados por esse edital não estão no alto dos seus apartamentos com tudo dentro de casa. Eles têm que sair de casa para fazer bico todos os dias — defende Josiani Arruda, que está coordenando o movimento dos artistas e foi uma das produtoras culturais contempladas no projeto.
A trajetória
Realizado com recursos da Lei Aldir Blanc, o projeto tem como objetivo "reconhecer a trajetória cultural de quem faz a cultura e melhora a vida da nossa sociedade, garantindo a memória, as tradições, a diversidade popular, a cultura viva e o desenvolvimento artístico". A primeira lista dos classificados gerou polêmica, com denúncias de pessoas que já teriam sido contempladas pela Lei Aldir Blanc em editais municipais — critério que deixaria o candidato inapto a se inscrever. Também houve apuração de casos de profissionais da área que seriam premiados em segmentos que não seriam de sua atuação principal. Este, porém, foi um critério solicitado pela Sedac — o edital aprovado e publicado inicialmente referendava que "os candidatos à premiação poderão ter trajetórias culturais em uma ou mais áreas ou segmentos relacionados à Cultura".
Além de tudo, houve descontentamento de artistas com o resultado, e o que deveria ser um auxílio para profissionais da cultura tornou-se um problema. O percentual de 51% das vagas que eram reservadas para cotistas começou a ser criticado. Indígenas e quilombolas denunciaram racismo e pretendem, conforme Josiani, acionar o Ministério Público.
— Teve muita repercussão de gente famosa reclamando: "como que minha trajetória reconhecida internacionalmente não ganhou prêmio e a 'dona Maria da Cacimbinhas' ganhou?". Parece que estão questionando a trajetória dessas 1,5 mil pessoas contempladas, que vivem na invisibilidade. Tem pessoas de 70, 80 anos que estão sem dinheiro para comprar remédio e agora estão tendo que lutar para receber um dinheiro que é nosso direito, que não é do governo, é dos artistas — defende Josiani.
Impasse burocrático
Diante das críticas, a primeira lista foi cancelada. Três semanas depois, um novo resultado foi publicado. A mesma situação se repetiu e, no dia 16 de maio, saiu uma terceira lista. O diretor do Departamento de Fomento da Sedac, Rafael Balle, explica que o órgão teve de intensificar o trabalho de acompanhamento e fiscalização por conta de toda essa repercussão — daí as diligências, alvo de reclamação do Instituto Trocando Ideia e dos artistas contemplados. Além disso, ele reforçou o fato de que muitas das respostas enviadas pelo Instituto estavam incompletas, o que gerou inclusive a repetição de pedidos por parte da Sedac.
— Infelizmente não é algo que a gente esperava, de ter uma necessidade tão grande de intervenção no levantamento de informações. Eu acho que há uma série de questões que nos levaram a esse momento. Mas o fato é: não dá para ter alguma questão que ocorra lá na classificação, as pessoas demandem informações e eles não tenham — afirma.
A questão que permeia todo o desentendimento quanto às diligências, explica Josiani, é que mesmo após o prazo final continuaram sendo enviados recursos sobre a lista dos classificados. A Sedac acolheu as denúncias, inclusive aquelas que haviam sido feitas via Ministério Público. Balle, por sua vez, adianta que não há mais nenhuma diligência a ser feita — a última foi enviada nesta semana. O representante do Executivo estadual ressalta ainda que ter essas informações completas é indispensável, para que todos — inclusive os artistas — tenham segurança no que diz respeito à legitimidade do prêmio. Enquanto isso, o dinheiro, já depositado na conta do Instituto, está trancado até que as pendências sejam resolvidas. Mas há mais um problema à vista: o cronograma de execução do projeto terá de ser ajustado.
Sem uma solução para o impasse entre a Sedac e o Instituto Trocando Ideia, a ideia do grupo de artistas é partir para a esfera jurídica. O mesmo manifesto escrito para o governador do Rio Grande do Sul foi protocolado na tarde desta quarta-feira (16) no Ministério Público, com mais de 500 assinaturas.
O que dizem os responsáveis pelo prêmio
De acordo com a presidente do Instituto Trocando Ideia e coordenadora do Prêmio Trajetórias Culturais, Fabiana Menini, o atraso do pagamento das verbas se deve pela questão das diligências demandadas pela Sedac. Segundo ela, após 900 recursos respondidos na fase do edital que serve justamente para tal, a secretaria enviou outras 12 solicitações de informações. Destas, onze já foram sanadas e devidamente aceitas pelo órgão. A 12ª deverá ser respondida nesta sexta-feira (18), finalizando, então, todas as pendências que chegaram ao instituto após o prazo.
— Essas solicitações que vieram são das cerca de 3,2 mil pessoas que não foram classificadas. Então, com certeza, vai haver pessoas que estão descontentes com as suas desclassificações, mas o concurso premia 1,5 mil pessoas — justifica Fabiana.
A presidente do Trocando Ideia, porém, não garante que, caso a Sedac aceite a resposta da última solicitação feita, a secretaria não envie novos pedidos de informação ao instituto, que deve, por contrato, atender a todas as demandas vindas do órgão. Caso aconteça um novo episódio, consequentemente, atrasará ainda mais a destinação das verbas para os artistas.
— Eu, que sou produtora, sei o que essas pessoas estão passando. Para nós, é uma dor muito grande, porque trabalhamos com cultura, acreditamos nisso. Quando entramos no edital, decidimos que faríamos o nosso melhor — lamenta a coordenadora do Prêmio Trajetórias, que garante ter plena segurança do edital e do método utilizado pelo instituto para a escolha dos premiados.
Fabiana Menini ainda afirma que o dinheiro do Prêmio Trajetórias Culturais está na conta do Trocando Ideia e, assim que o pagamento aos artistas for liberado pela secretaria, o montante excedente será devolvido para a Sedac.
O diretor do Departamento de Fomento da Sedac, Rafael Balle, diz que o objetivo da secretaria é autorizar o pagamento do prêmio aos artistas o quanto antes, mas afirma que o atraso da liberação da verba é necessário para sanar todas as dúvidas dos artistas que não foram premiados e para garantir a segurança do edital.
De acordo com Balle, assim que a resposta para a 12ª diligência enviada pela Sedac ao instituto for respondida, a intenção é, caso tudo esteja devidamente explicado e regular, liberar o pagamento para os vencedores do Trajetórias Culturais.
— É o que mais a gente quer. Temos trabalhado justamente para isso: liberar logo essa verba para os artistas. O resultado deste edital passa por entregar o prêmio para as pessoas contempladas, então, estamos na expectativa — garante o diretor do Departamento de Fomento da Sedac.
Sobre as solicitações enviadas fora do período pré-determinado pelo edital, Balle explica que a Sedac acatou os pedidos de informações justamente para certificar que a fase de recursos havia cumprido a sua finalidade, que é corrigir eventuais falhas no processo. Já na questão do racismo, denunciado por um grupo de artistas contemplado pelo prêmio, o diretor afirma que a acusação não condiz com as atitudes da Sedac que, inclusive, já havia proposto editais com cotas antes mesmo da Lei Aldir Blanc.
— Nenhum dos questionamentos tem relação com as cotas, o atraso foi para ajustar arestas. Queremos a segurança para todos, mas, para isso, precisamos passar por este processo para garantir que não haja ninguém que deveria ter recebido e não recebeu — diz Balle, que afirma esperar que o pagamento ocorra aos artistas nos próximos dias.