Um misto de satisfação e preocupação ao mesmo tempo: é assim que Cláudio Freitas descreve o sentimento de ver o bar Parangolé completar 15 anos nesta terça-feira (9). O proprietário do estabelecimento justifica que a satisfação se dá pelo fato do bar ter resistido tanto tempo aberto, no mesmo local — Gen. Lima e Silva, 240, na Cidade Baixa. A preocupação é por celebrar o aniversário de portas fechadas por conta da piora da pandemia em Porto Alegre, em um momento de incertezas e dificuldades para manter o negócio. (Leia aqui a situação de outras casas de Porto Alegre.)
Ao longo de 15 anos, o Parangolé se consolidou como uma casa cultural da noite boêmia de Porto Alegre. Antes da pandemia, era um bar que podia receber apresentações de estilos musicais diferentes a cada dia da semana: roda de samba e choro, gêneros latino-americanos (bolero, tango, entre outros), MPB, bossa nova, blues, folk, jazz etc. Entre 2015 e 2019, a música erudita também se fez presente no bar através do projeto Desconcerto. O Parangolé foi palco para nomes como Darcy Alves, Nina Moreno, Elias Barbosa, Mathias Pinto, Luis Machado, Matheus Kleber, Maria Luíza Benitez, Nicola Spolidoro, Ale Ravanello, entre outros.
— Acolhemos todos os estilos de música. Isso faz as pessoas que têm preferência por certo estilo irem ao bar no dia que mais gostam — afirma o proprietário do Parangolé.
Freitas destaca que o Parangolé é o destino de músicos que visitam Porto Alegre e procuram por uma roda de samba ou choro — ele cita nomes como o bandolinista Hamilton de Holanda, o acordeonista Renato Borghetti e o violonista Yamandu Costa como instrumentistas que já deram uma palinha no local. O empresário lembra que o cronista e comunicador Paulo Sant'Ana também aparecia no local, às vezes até soltando a voz em uma canja.
Além da música, o Parangolé abriga outras manifestações artísticas. É um espaço para apresentação de dança (foi palco do projeto Noches Flamencas, da Cia. de Flamenco Del Puerto), lançamento de livros, sarau, teatro (o projeto Palco Parangolé, coordenado pela bailarina Paula Finn, trouxe as artes cênicas ao bar) e, desde 2017, sedia o Leitura em Voz Alta, coordenado pela professora Luiza Milano (UFRGS) — segundo Freitas, esse projeto estava enchendo o bar.
— É um lugar eclético e liberal, que acolhe os mais variados tipos de pessoas. Não há restrição de nenhum tipo de comportamento ou identidade. Acho que isso faz com que as pessoas se sintam à vontade. É um bar familiar. Tanto que tem um slogan muito usado pelos clientes: é um bar lar. Muitos frequentadores consideram o Parangolé como uma segunda casa — define o proprietário.
Origem e pandemia
O Parangolé surgiu de uma necessidade de trabalho para Freitas. Após ser demitido da indústria onde era empregado no Ceará, ele decidiu montar seu próprio negócio. Em conversa com seus filhos, chegou à conclusão de que um bar seria uma boa oportunidade. Procurou pontos vagos e achou o da Lima e Silva.
O nome do estabelecimento é inspirado em uma obra de Hélio Oiticica. Freitas reforça que "parangolé" aparece em músicas de Chico Buarque e Adriana Calcanhotto. Conforme o proprietário, a palavra funcionava também como uma gíria para "fazer algo diferente". Ou, simplesmente, um nome que soa bonito para um bar.
O empresário relata que o espaço foi sendo melhorado com o passar dos anos. Todo ganho era investido no próprio bar. Porém, as portas tiveram que ser fechadas com o início da pandemia, em março de 2020.
— Tínhamos aquela esperança de que já íamos voltar. Acreditávamos que em abril íamos reabrir. Depois, em maio. Depois, junho ou julho. E foi indo, foi se estendendo. As economias foram se esgotando. Em julho, veio a possibilidade de fazer empréstimo. Tudo foi se arrastando. Estamos agora com uma segunda onda, prestes a pagar o empréstimo, mas sem uma perspectiva de que isso se resolva logo. Nem consigo mais pensar em uma estimativa — conta Freitas.
Em 2020, o quadro passou de três funcionários fixos para apenas um, além de dois temporários. Isso sem contar o próprio Freitas, que também atende. O empresário relata que conseguiu negociar com o proprietário do espaço um desconto durante a pandemia. Ao reabrir, o plano seria ter um faturamento para sanar o aluguel e as despesas. O bar retomou as atividades em outubro, mas fechou novamente em fevereiro, com o agravamento da pandemia na Capital.
Freitas reconhece a necessidade do fechamento e da quarentena, porém salienta a preocupação com a falta de suporte para atravessar esse período.
— A gente investiu as economias que tinha. Estamos aguentando assim, no limite. Estamos torcendo para que haja um novo período de suspensão do contrato de trabalho e nova prorrogação na carência do pagamento de empréstimo para resistirmos um pouco mais. Para dar tempo de passar esse novo pico da pandemia — diz o empresário.
Para Freitas, a situação no momento é de apreensão e incerteza, um receio de que a pandemia siga se prolongando.
— Isso é doloroso. O bar é uma coisa que a gente se apega. Uma coisa que a gente criou. É que nem um filho. A gente não quer perder, não quer largar de mão, mas tem horas que a gente fica muito para baixo. Não tem como ser diferente — lamenta.
Resiliência e esperança
Desde outubro, o bar também trabalha com telentrega, serviço que segue funcionando neste momento. No cardápio, é possível pedir pastel, linguiça parrillera, batata frita e, entre outras opções, a especialidade da casa: o sanduíche do chef (carne de panela, gorgonzola, acebolado e cogumelo). Segundo Freitas, o serviço de tele começou tímido, mas nos últimos 15 dias houve uma procura maior:
— Senti que os clientes perceberam a necessidade de apoio, e acho que vai melhorar. As pessoas estão entendendo. Nossos clientes também são muito legais e dão apoio.
Porém, esse serviço terá uma pausa nesta terça, entre as 19h e as 21h30min. Vale ressaltar que, além de empresário, Freitas é músico. Para comemorar o aniversário do bar, ele irá se apresentar com sua gaita em uma live, às 20h, na página do Parangolé no Facebook. O estabelecimento estará aceitando contribuições espontâneas.
De acordo com o empresário, uma das particularidades que tornam o Parangolé especial é a intimidade construída com os clientes. Muitos deles viraram seus amigos.
— Essa proximidade com o público é diferenciada. Nós consideramos os clientes como da família também. Eu não tenho convivência social fora do bar, é ali que cultivo meus amigos. É ali que vou aprofundando minhas amizades — atesta.
E, normalmente, quem tem amigos tem tudo. Talvez uma das possíveis fontes de resiliência para o Parangolé.
— Enquanto der para aguentar, a gente vai aguentando. Temos uma esperança: passada a pandemia, com as pessoas vacinadas, o público estará com muita vontade de ir para a rua, se encontrar e comemorar ter vencido essa etapa. O bar vai ser um ambiente muito próprio para isso — sonha Freitas.