Raras vezes o meio audiovisual gaúcho esteve tão unido contra uma medida: a contratualização da Cinemateca Capitólio, espaço de exibição de filmes de perfil não comercial e de conservação da memória cinematográfica do Estado.
A proposta da prefeitura de Porto Alegre de terceirizar a gestão do órgão encontra grande resistência do meio cultural, que tem inundado as redes sociais com declarações de apoio à equipe de servidores que atualmente exerce a função. Com a proximidade do lançamento do edital, previsto para fevereiro ou março, o debate se acirrou. Os profissionais de cinema se colocaram contra a medida por considerar a Cinemateca um espaço eficiente e por achar que a contratualização abre dúvidas sobre o futuro do acervo raro da instituição.
Na última quarta-feira (29/1), representantes da prefeitura se reuniram com dirigentes da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do RS (APTC-RS), do Sindicato da Indústria Audiovisual (Siav RS) e da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS). Era para ser uma conciliação, mas só a prefeitura comemorou. Para a presidente da APTC, Daniela Strack, o encontro demorou demais. A entidade organizou um debate sobre o assunto em julho e pouco depois solicitou um novo encontro, que só ocorreu na semana passada, após pedido judicial.
— Não foi apresentado nada que nos desse a segurança de que a Cinemateca vai continuar cumprindo seu papel — afirma Daniela. — Todas as cinematecas do mundo têm gestão pública porque não há como repassar esse patrimônio imaterial.
A Associação dos Amigos da Cinemateca Capitólio convocou, para o próximo sábado (8), às 16h, um ato em "defesa da manutenção da administração pública" do espaço. Na contratualização, a prefeitura repassa verba pública para que uma OSC (organização da sociedade civil) administre o equipamento cultural. Trata-se de uma política de governo da gestão de Nelson Marchezan que já foi implantada no Centro Multimeios Restinga e chegará à Pinacoteca Ruben Berta e ao Atelier Livre, em edital conjunto com lançamento previsto para quinta-feira (6). Entre as OSCs interessadas em assumir a Cinemateca, estariam a Fundacine, a Associação Cine Esquema Novo e o Instituto Odeon.
Certeza
Segundo o secretário de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro, a contratualização é uma certeza. Ele explica que a motivação é aprimorar a gestão e democratizar o acesso às sessões, e não fazer economia. Pelo contrário, a prefeitura passaria a investir mais na Cinemateca. No último ano, ela recebeu em torno de R$ 2,1 milhões, dos quais R$ 1,6 milhão do município e R$ 500 mil via Fundacine, incluindo patrocínio de R$ 250 mil da Petrobras que foi rompido em janeiro. Para 2020, a prefeitura prevê o repasse direto de cerca de R$ 2 milhões. O controle desse gasto caberá à SMC.
— Estão levando tão a sério que há uma secretaria para isso e é tudo feito lá. Depois de formatado e lançado o edital, passa para a Secretaria de Cultura — afirma o secretário municipal da Cultura, Luciano Alabarse.
— A Cinemateca continuará sendo absolutamente pública, com a diferença de que a gestão estará a cargo de uma OSC que agirá como um braço do poder público e será regulada por ele — assegura Ribeiro.
Para as entidades do cinema, o poder público não pode fazer essa garantia. Citam como exemplo outras polêmicas contratualizações no país, como a do Museu de Arte do Rio (MAR) e a da Cinemateca Brasileira.
— É muito preocupante. Parte da ideia de que a gestão pública é incompetente e burocrática. Se a prefeitura botasse o dinheiro que vai repassar para uma OS, ela poderia fazer um belo trabalho lá dentro porque já faz esse trabalho com menos dinheiro — diz a cineasta Ana Luiza Azevedo.