Não foi apenas uma atriz que morreu com Bibi Ferreira. Morreu uma instituição, um prêmio, um monumento nacional, um marco inescapável no horizonte. Morreu até, se a gente for pensar bem, parte da história do teatro nacional. Afirmações exageradas, podem pensar alguns, mas elas são ainda pouco veementes para dar uma ideia da magnitude do papel de Bibi Ferreira nos palcos do Brasil. Atriz, cantora, compositora, produtora e diretora de teatro, Bibi morreu na tarde desta quarta-feira (13), aos 96 anos, no Rio, em consequência de uma parada cardíaca. Filha de um casal de artistas, ela atuou desde a infância até o ano passado, quando anunciou sua aposentadoria.
A história de Bibi Ferreira se entrelaça com a do teatro nacional literalmente desde o berço. Filha de um casal de artistas, a bailarina espanhola Aída Izquierdo e o ator Procópio Ferreira, outra lenda da dramaturgia brasileira, Bibi nasceu no Rio em 1922. Aos 24 dias de nascida, foi levada ao palco pela madrinha, a atriz Abigail Maia, para substituir uma boneca de pano que havia sido perdida e que era utilizada numa cena da peça Manhãs de Sol, de Oduvaldo Vianna, pai do também dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho. Embora afirmasse que sua estreia profissional se deu em 28 de fevereiro de 1941, ao lado de seu pai, na peça O Inimigo das Mulheres, de Carlo Goldoni. Mas, antes disso, participou informalmente de várias produções, dançou como corista mirim na companhia de sua mãe, participou do corpo de baile do Theatro Municipal e esteve no filme Cidade Mulher, de Humberto Mauro, rodado quando tinha apenas 13 anos.
– Bibi era mais do que a história do teatro brasileiro, ela quase era o teatro brasileiro. Ando por aqui com a fotobiografia da Fernanda Montenegro, que comprei há pouco, e de tempos em tempos eu vou lá e fico olhando. Gente como ela, a Bibi, não são história do teatro, eles são o próprio teatro brasileiro, e restam poucos deles. A Bibi já nasceu na coxia do teatro, literalmente se confunde essa coisa dela com o teatro – comenta a atriz e diretora Mirna Spritzer.
Carreira acompanhou mudanças nos palcos
Sua carreira coincide com a própria formação do teatro brasileiro moderno. Ela começa a atuar nos anos 1940, década que vê uma grande renovação nos palcos brasileiros a partir do sucesso de Vestido de Noiva, texto de Nelson Rodrigues montado por Zimbiensky em 1943. A partir daí, surge um bom número de novas companhias apostando em excelência técnica e na montagem de grandes textos em contraponto ao teatro de revista e às companhias de repertório cômico ancoradas em um ator carismático (como a do próprio Procópio). Bibi então abriu, em 1944, sua Companhia de Comédia Bibi Ferreira, que estreou com Sétimo Céu, estrelada por Maria Della Costa e Cacilda Becker.
– Ela é um dos pilares do teatro moderno brasileiro. A carreira da Bibi conta a trajetória do nosso teatro, de todas as suas transformações. Ela era completa, cantava, dançava, fazia drama, comédia, e ela acompanhou também todas as mudanças que tivemos – frisa o diretor Luciano Alabarse, secretário municipal de Cultura.
Ao longo das décadas seguintes, Bibi enfileirou sucessos e trabalhos marcantes. Atuou ao lado de Paulo Autran no musical Minha Querida Dama (no original em inglês My Fair Lady), na década de 1960. Circulou pelos teatros do Brasil e do Exterior com um espetáculo cantando as canções da diva francesa Edith Piaf – que marcou a reabertura do Theatro São Pedro ao público, em junho de 1984. Em 2013, ela comemorou seus 90 anos, em 2013, com um show no Lincoln Center, em Nova Yor.
– Levei uma vida muito simples, muito correta. Estar a postos nas minhas obrigações parece corriqueiro e simples, mas é verdadeiro: você deve ter respeito por seu trabalho. É isso que me conservou Bibi Ferreira. Meu respeito a tudo que rodeia minha carreira e minha vida – declarou, em uma entrevista a ZH em 2015.