“É uma oportunidade de salvar o futuro, o passado a gente perdeu”. Com esta frase, o curador de uma das exposição do Museu Nacional, Paulo Andreas Buckup, definiu o momento que a cultura nacional enfrenta após o incêndio que assolou o espaço cultural neste domingo (2). Em entrevista ao programa Timeline Gaúcha, o pesquisador falou também sobre a “invasão” que fez ao espaço cultural para salvar algumas peças (veja abaixo).
Conforme informações apuradas pela BBC Brasil, Buckup e alguns colegas pesquisadores arrobaram portas do museu durante o incêndio e salvaram o maior número possível de gavetas com compartimentos contendo espécimes de moluscos. O acervo representa uma parcela do inventário de dezenas de milhares exemplares da fauna da América do Sul.
— Esse material é único porque é a base para conhecer as espécies descritas ao longo do último século. Sem isso, perdemos esse registro — disse ele à BBC.
Por volta das 4 horas da manhã, o professor informou sobre o estado de algumas das exposições em seu perfil no Facebook, gerando centenas de compartilhamentos. Segundo ele, as grandes perdas foram os materiais da exposição e as coleções situadas no prédio principal, como a maior parte das coleções de insetos, aracnídeos, crustáceos e peças antropológicas. O estudioso cita, por exemplo, um peixe-serra de cerca de 5 metros que estava sendo preparado para ser exposto ao público.
“Tem gente que colocou a vida inteira ali”
Em entrevista ao Timeline, Paulo disse que várias reformas foram feitas na década de 1990, mas que os investimentos cessaram desde então. O curador acredita que o grande problema do incêndio é que ele representa um verdadeiro descaso com a ciência e com o futuro do patrimônio brasileiro.
— Esse é o grande culpado. Se foi um curto-circuito, a ação demorada dos bombeiros, isso né secundário. Era de fato uma tragédia anunciada.
O também professor da UFRJ frisou que o Museu Nacional é um patrimônio mundial, que envolve os países europeus, já que a família imperial residiu no local e a primeira constituição brasileira foi elaborada no Palácio.
— Fazíamos pesquisa sobre biodiversidade, línguas indígenas que nem são mais faladas. Tudo isso foi perdido. Isso sem falar nas múmias egípcias, mas também as da região dos Andes, de povos sul americanos. Nós tínhamos coisas que eram únicas.
Ele espera que o incêndio seja um meio de valorizar os recursos previstos e que as reformas da exposição sejam canalizadas para a reestruturação da instituição, que mantinha seis programas de pós-graduação.
— Precisamos salvar o que sobreviveu e a capacidade de pesquisa. (...) É o patrimônio científico dos pesquisadores. É realmente uma vida, tem gente que botou a vida inteira aqui.
Além disso, acredita que a tragédia servirá para pensar os rumos do país:
— É um momento de muito pranto para o futuro do Brasil, mas é uma oportunidade para se reverter essa situação e salvar o futuro. Porque o passado a gente perdeu. É uma oportunidade de pensarmos na educação, na pesquisa científica e na cultura. Sem isso, não teremos futuro.