Cultura e Lazer

Crítica

Werner Herzog volta com dois novos filmes na grade da Netflix

Documentários do mestre alemão ficaram inéditos nos cinemas

Daniel Feix

Enviar email
Os monges tuiteiros de "Eis os Delírios do Mundo Conectado", sobre a internet

Um dos maiores cineastas do mundo, Werner Herzog vive uma fase prolífica aos 74 anos. Conhecido por filmaços como O Enigma de Kaspar Hauser (1974) e Fitzcarraldo (1982), o alemão tem na produção de documentários uma de suas facetas mais admiráveis. Em geral menos conhecidos, seus filmes não ficcionais ganharam na era do streaming um canal com os cinéfilos – a Netflix, que disponibilizou em sua grade seus dois mais recentes longas, ambos finalizados em 2016 e inéditos nos cinemas brasileiros.

Nenhum dos dois têm a potência de Caverna dos Sonhos Esquecidos (2010), que foi rodado em 3D e ganhou sessões no circuito. Porém, como grande parte de seus filmes (já dirigiu 50, fora os curtas), são ensaios poderosos sobre a grande aventura humana no planeta, cujo tema serve tão somente de ponto de partida para um mergulho profundo nas inquietações comuns a todos nós.

Confira todas as críticas e notícias de cinema em ZH

Respectivamente, Visita ao Inferno (Into the Inferno, no original) e Eis os Delírios do Mundo Conectado (LO and Behold, Reveries of the Connected World) falam sobre vulcões e a internet. O primeiro tem imagens arrebatadoras de montanhas e rios de lava. Apresenta um personagem já conhecido dos fãs de Herzog, o vulcanologista Clive Oppenheimer, que o cineasta conheceu filmando Encontros no Fim do Mundo (2007) e que, agora, ajuda-o a desvendar como essas potencialmente devastadoras estruturas geográficas mexem com as pessoas que convivem com o perigo das erupções.

"Estou interessado nas crenças dessas pessoas", ele diz, no início da narrativa. Em seguida, descobre que vulcões são cultuados como deuses na Indonésia e em Vanuatu. E como, na Coreia do Norte, seus humores (cuspir fogo seria mau sinal) podem ser usados para manipulação política. É pelas revelações das idiossincrasias desse país tão fechado que Visita ao Inferno vale mais a pena – embora sejam igualmente interessantes as imagens de pesquisadores europeus que, atraídos pelo perigo, desafiam a morte aproximando-se das áreas de erupção, tipo de atitude que desde sempre interessa ao diretor de títulos
como O Homem Urso (2005).

O tema de Eis os Delírios do Mundo Conectado é universal. O longa apresenta os primórdios da internet, no final da década de 1960 (com a precursora transmissão das letras L e O, na Universidade da Califórnia; daí o título LO and Behold), e a evolução, a partir de então, das pesquisas em tecnologia, destacando os delírios de cientistas que trabalham com robótica e sonham, por exemplo, em habitar Marte.

Quando um pesquisador defende que um time de futebol formado por robôs poderá derrotar a Seleção Brasileira, Herzog aproveita para rechear a narrativa com um humor delicioso. "Os robôs poderão fazer filmes? Sim. Serão como os seus?", questiona outro estudioso, na sequência. "É óbvio que não", exclama o diretor, interrompendo o interlocutor. Em outro trecho, ele surpreende o mecenas de pesquisas sobre a possibilidade de viver em outros planetas. Quando este argumenta que uma de suas dificuldades é encontrar quem queira ir à Marte "só com passagem de ida", Herzog voluntaria-se a fazê-lo, deixando o entrevistado sem palavras.

Em meio a esse tipo de cena, o tom pesado de passagens sobre o "lado negro" da evolução tecnológica soa deslocado – especificamente quando conversa com uma família que recebeu mensagens mórbidas após perder uma filha. Também se pode questionar a falta de detalhes em alguns momentos, como a própria invenção da internet, abordada muito rapidamente. Nesse caso, no entanto, a crítica só confirma o gosto de "quero mais" que Herzog costuma deixar no espectador. Ao menos agora, via Netflix, há a possibilidade de acompanhar mais de perto toda a produção do mestre.

Visita ao inferno + Eis os delírios do mundo conectado
Documentários com, respectivamente, 104min e 98min de duração. EUA/Alemanha/Reino Unido, 2016.
Disponíveis na Netflix.

GZH faz parte do The Trust Project
Saiba Mais
RBS BRAND STUDIO

Sala de Redação

13:00 - 15:00