Um dos maiores cineastas do mundo, Werner Herzog vive uma fase prolífica aos 74 anos. Conhecido por filmaços como O Enigma de Kaspar Hauser (1974) e Fitzcarraldo (1982), o alemão tem na produção de documentários uma de suas facetas mais admiráveis. Em geral menos conhecidos, seus filmes não ficcionais ganharam na era do streaming um canal com os cinéfilos – a Netflix, que disponibilizou em sua grade seus dois mais recentes longas, ambos finalizados em 2016 e inéditos nos cinemas brasileiros.
Nenhum dos dois têm a potência de Caverna dos Sonhos Esquecidos (2010), que foi rodado em 3D e ganhou sessões no circuito. Porém, como grande parte de seus filmes (já dirigiu 50, fora os curtas), são ensaios poderosos sobre a grande aventura humana no planeta, cujo tema serve tão somente de ponto de partida para um mergulho profundo nas inquietações comuns a todos nós.
Respectivamente, Visita ao Inferno (Into the Inferno, no original) e Eis os Delírios do Mundo Conectado (LO and Behold, Reveries of the Connected World) falam sobre vulcões e a internet. O primeiro tem imagens arrebatadoras de montanhas e rios de lava. Apresenta um personagem já conhecido dos fãs de Herzog, o vulcanologista Clive Oppenheimer, que o cineasta conheceu filmando Encontros no Fim do Mundo (2007) e que, agora, ajuda-o a desvendar como essas potencialmente devastadoras estruturas geográficas mexem com as pessoas que convivem com o perigo das erupções.
"Estou interessado nas crenças dessas pessoas", ele diz, no início da narrativa. Em seguida, descobre que vulcões são cultuados como deuses na Indonésia e em Vanuatu. E como, na Coreia do Norte, seus humores (cuspir fogo seria mau sinal) podem ser usados para manipulação política. É pelas revelações das idiossincrasias desse país tão fechado que Visita ao Inferno vale mais a pena – embora sejam igualmente interessantes as imagens de pesquisadores europeus que, atraídos pelo perigo, desafiam a morte aproximando-se das áreas de erupção, tipo de atitude que desde sempre interessa ao diretor de títulos
como O Homem Urso (2005).
O tema de Eis os Delírios do Mundo Conectado é universal. O longa apresenta os primórdios da internet, no final da década de 1960 (com a precursora transmissão das letras L e O, na Universidade da Califórnia; daí o título LO and Behold), e a evolução, a partir de então, das pesquisas em tecnologia, destacando os delírios de cientistas que trabalham com robótica e sonham, por exemplo, em habitar Marte.
Quando um pesquisador defende que um time de futebol formado por robôs poderá derrotar a Seleção Brasileira, Herzog aproveita para rechear a narrativa com um humor delicioso. "Os robôs poderão fazer filmes? Sim. Serão como os seus?", questiona outro estudioso, na sequência. "É óbvio que não", exclama o diretor, interrompendo o interlocutor. Em outro trecho, ele surpreende o mecenas de pesquisas sobre a possibilidade de viver em outros planetas. Quando este argumenta que uma de suas dificuldades é encontrar quem queira ir à Marte "só com passagem de ida", Herzog voluntaria-se a fazê-lo, deixando o entrevistado sem palavras.
Em meio a esse tipo de cena, o tom pesado de passagens sobre o "lado negro" da evolução tecnológica soa deslocado – especificamente quando conversa com uma família que recebeu mensagens mórbidas após perder uma filha. Também se pode questionar a falta de detalhes em alguns momentos, como a própria invenção da internet, abordada muito rapidamente. Nesse caso, no entanto, a crítica só confirma o gosto de "quero mais" que Herzog costuma deixar no espectador. Ao menos agora, via Netflix, há a possibilidade de acompanhar mais de perto toda a produção do mestre.
Visita ao inferno + Eis os delírios do mundo conectado
Documentários com, respectivamente, 104min e 98min de duração. EUA/Alemanha/Reino Unido, 2016.
Disponíveis na Netflix.