O cancelamento da edição deste ano da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo por falta de recursos escancarou o problema do financiamento da cultura em uma época de crise econômica no país.
Levantamento realizado por ZH mostra que grandes eventos do segundo semestre no Estado terão seus orçamentos cortados em até 50%. É o caso da Bienal do Mercosul, que custará R$ 6,5 milhões, praticamente metade da previsão de R$ 12,5 milhões, que equivaleria ao custo de cada uma das últimas duas edições. Presidente da Fundação Bienal do Mercosul, o empresário José Antonio Fernandes Martins afirma:
- A crise, que começou ainda no ano passado e ganhou força depois da Copa, deixou o cenário da economia nada favorável. Neste ano, estamos enfrentando uma crise geral não só na indústria, mas nos ramos de comércio e serviços. Quando surge a crise, a primeira coisa que empresas e indústrias fazem é reduzir custos. E, logicamente, um evento como a Bienal, que só se realiza mediante patrocínios, é atingido em termos de captação de recursos.
Outros eventos sentiram os efeitos da crise já em edições anteriores. Desde 2013, o festival Porto Alegre Em Cena trabalha com formato mais enxuto. Neste ano, está orçado em R$ 2,5 milhões, pouco mais da metade do que custou em 2012 (R$ 4,53 milhões). A alta do dólar motivará um enxugamento no segmento internacional da programação.
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- Realizaremos uma edição muito centrada no teatro brasileiro, mais do que em outras, nas quais a presença internacional foi bem marcante. Evitamos a assinatura de contratos em moeda estrangeira, o que poderia nos pegar de surpresa - explica Luciano Alabarse, coordenador-geral do Em Cena.
Caso semelhante é o do Festival Internacional de Bonecos de Canela, que teve custo reduzido de R$ 1 milhão para R$ 400 mil (R$ 500 mil, se contada a previsão de bilheteria). Outros eventos, como a Feira do Livro de Porto Alegre e o Festival de Cinema de Gramado, tentam manter seus orçamentos, mesmo com dificuldades de patrocínio. A Califórnia da Canção terá um pequeno acréscimo em relação a edições anteriores.
As más notícias vêm em um cenário de enxugamento no setor - nas esferas pública e privada. Nesta semana, o Theatro São Pedro, uma das principais instituições do Estado, comunicou o fechamento de seu memorial para visitação pública por tempo indeterminado em função de restrições orçamentárias. Segundo a assessoria do teatro, haverá uma redução de 25% nos custos de contratos terceirizados.
Fragilidade das políticas públicas
Em março, havia sido anunciado o corte de R$ 10,4 milhões nos recursos do Tesouro para a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), que afetou despesas de custeio e reduziu em R$ 2,4 milhões o financiamento pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Após o redimensionamento das finanças, o secretário Victor Hugo garante que os investimentos no setor estão sendo mantidos.
Segundo ele, até o final de maio foram patrocinados R$ 13,92 milhões pela Lei de Incentivo à Cultura (LIC), sistema com o qual as empresas financiam projetos em troca de isenção fiscal. O titular da Sedac informa que foram mantidos dois editais do FAC da gestão anterior: R$ 2 milhões de apoio ao audiovisual e R$ 650 mil para o Sonora Musical (voltado à música). Além disso, está aberto o edital #juntospelacultura, que distribuirá R$ 3 milhões em diferentes áreas.
- O governo federal cortou R$ 69 bilhões. O governo Sartori também faz contingenciamentos, que pegam o custeio da secretaria, mas o serviço público de financiamento (leis de incentivo e editais de financiamento) que é entregue à sociedade não está sendo cortado - garante Victor Hugo.
Para o economista Leandro Valiati, o modelo de financiamento de projetos culturais por incentivo fiscal nas diferentes esferas de governo implica que somente grandes empresas possam participar do sistema, e são estas as mais afetadas pela crise.
O especialista em economia da cultura acrescenta que a Copa do Mundo drenou recursos que poderiam ter sido destinados à cultura. Segundo ele, no entanto, o problema é estrutural: por um lado, a ausência de políticas públicas voltadas a projetos que não têm, efetivamente, poder de mercado; por outro, o hábito da iniciativa privada em investir exclusivamente via renúncia fiscal:
- O problema central não é a grande presença do Estado, mas a presença equivocada.
Enquanto a questão estrutural não é trabalhada, resta aos produtores encontrar formas inovadoras como crowdfunding (financiamento coletivo) e parcerias com outros eventos no Brasil e no mundo.
- Tem que ter criatividade na crise, e não ficar simplesmente esperando o edital (de mecanismos de financiamento e das leis de incentivo públicos) - diz Valiati.