Realidade de todo ano, a Feira é também fruto do tempo. Para marcar a 59ª edição, ZH elenca 59 tópicos de como o passado construiu a Feira do Livro de hoje. As fontes são arquivos de imprensa e os livros A Feira do Livro de Porto Alegre: 40 Anos de História, de Paulo Bentancur; A Feira da Gente, de Walter Galvani (2004); e 50 Anos de Feira do Livro, de Luis Augusto Fischer (2004).
1 A inspiração para a Feira do Livro veio do Rio. Em 1955, o jornalista Say Marques, do Diário de Notícias, voltou de lá impressionado com o que vira na 2ª edição da Feira do Livro da então Capital Federal e lançou uma campanha em favor de criar algo semelhante.
2 Já havia um antecedente: uma feira realizada na Livraria do Globo em 1952, em promoção dos administradores da casa, os Bertaso. Era, no entanto, restrita a uma única livraria e não teve continuidade.
3 A escolha da Praça da Alfândega para a 1ª Feira do Livro foi motivada por questões estratégicas: era o coração do Centro e recebia a movimentação do comércio da Rua da Praia.
4 Nas 14 bancas da primeira Feira, estavam as livrarias Tabajara, Americana, Espírita, Do Globo, Farroupilha, Sulina, Saraiva, Kosmos, Francisco Alves, Leonardo Da Vinci e as editoras Globo, Melhoramentos, José Olympio e Companhia Editora Nacional.
5 Chamada originalmente de Feira do Livro do Rio Grande do Sul, a festa teve início no dia 16 de novembro de 1955, às 18h. Era uma quarta-feira. Não choveu.
6 A primeira edição durou 14 dias - menos do que os 17 que a Feira estabeleceria como padrão no correr dos anos.
7 A adesão foi rápida. De 14 bancas em 1955, a Feira duplicou de tamanho para 31 barracas em sua quinta edição, em 1959.
8 O número de barracas passou de 50 em 1965 (foram 52). E superou a marca de uma centena em 1997 (chegaram a 109).
9 As edições 17 e 46, respectivamente de 1971e 2000, foram as feiras mais longas, com 20 dias cada. A mais curta foi a de 1958, a quarta edição, com apenas 12 dias.
10 De acordo com a imprensa da época, o livro mais vendido da 1ª Feira foi O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, cuja tradução havia recém aparecido no Brasil.
11 Na segunda edição, em 1956, começa a associação folclórica da Feira com a chuva. A abertura da edição de 1956, marcada para 24 de outubro, também uma quarta-feira, foi transferida para o dia 26, devido ao mau tempo.
12 Logo correu a lenda de que, em abertura de Feira do Livro, sempre chovia. A associação não era de todo descabida, já que, nas 15 primeiras edições da Feira, choveu na inauguração de sete delas.
13 Olhada por uma perspectiva histórica, entretanto, a lenda é um exagero. Um levantamento realizado pelo hoje patrono Luís Augusto Fischer em 2004 atesta que, nas primeiras 45 edições da Feira, só choveu na inauguração de 12 delas.
14 Em 1969, a Feira antecipou a inauguração de 1º de Novembro para 30 de outubro. O motivo era evitar a coincidência com a posse, no mesmo dia, do general Emílio Garrastazu Médici, novo ditador do regime militar.
15 A Feira nem sempre teve patrono. Nos primeiros anos havia um orador oficial, presente apenas na cerimônia de inauguração. O orador oficial da primeira Feira foi o secretário de Estado da Educação e Cultura, Liberato Salzano Vieira da Cunha.
16 Outros oradores da primeira década foram Erico Verissimo e os professores Álvaro Magalhães, editor de um dos primeiros dicionários produzidos no Brasil, Artur Ferreira Filho, então diretor da Biblioteca Pública Estadual.
17 A instituição de um patrono foi adotada apenas em 1965. O primeiro foi o poeta e intelectual Alcides Maya (1878 - 1944).
18 No início, os patronos não eram autores vivos, e sim figuras de destaque da cultura local, já falecidas. A palavra "patrono" assumia aí o mesmo sentido que ainda tem nas cadeiras da Academia Brasileira de Letras: um grande e finado precursor a quem é dedicada uma homenagem.
19 A figura do orador, contudo, não desapareceu - e por décadas houve, ao lado de um patrono, um orador oficial escolhido dentre a intelectualidade local para fazer o discurso de saudação ao homenageado oficial.
20 A relação dos primeiros patronos inclui nomes importantes da literatura rio-grandense no início do século 20, como Simões Lopes Neto (1865 - 1915), patrono em 1966; ou os poetas simbolistas Alceu Wamosy (1895 - 1923), em 1967, e Eduardo Guimaraens (1892 - 1928), em 1969.
21 A partir dos anos 1970, a instituição de "patrono" passa a ser um meio de homenagear personalidades da cultura local falecidas recentemente, como Augusto Meyer (em 1970, ano de sua morte), Manoelito de Ornellas (morto em 1969, patrono em 1971), Darcy Azambuja (morto em 1970, patrono em 1973) ou Athos Damasceno Ferreira (em 1975, ano de sua morte).
22 Pelo mesmo critério, o maior escritor do Estado, Erico Verissimo, que morreu em novembro de 1975, pouco depois do fim da Feira, foi escolhido patrono no ano seguinte.
23 As exceções a esse padrão se deram em 1972, quando, para comemorar o quarto centenário da publicação de Os Lusíadas, o patrono foi Luis de Camões, e em 1979, com Auguste de Saint-Hillaire, cujo nascimento havia completado 200 anos.
24 O último patrono falecido foi José Bertaso, fundador da Livraria do Globo, escolhido em 1983.
25 O primeiro patrono vivo foi Maurício Rosenblatt, em 1984, editor e integrante da comissão que organizou a 1ª Feira.
26 Em apenas duas ocasiões a condição de patrono foi concedida a mais de um homenageado. A primeira foi em 1982, quando as figuras de Reynaldo Moura e Monteiro Lobato dividiram o posto - a ideia da organização era ter um segundo patrono, nacional, para ampliar o alcance da Feira. Aproveitou-se então o centenário de Lobato, comemorado naquele ano. A experiência, contudo, não foi repetida.
27 O segundo patronato múltiplo ocorreu em 1994, para marcar a 40º edição. Foram homenageados quatro livreiros veteranos do evento: Nelson Boeck, Edgardo Xavier, Mario de Almeida Lima e Sétimo Luizelli.
28 Houve dois casos de pai e filho patronos. Henrique Bertaso (1906 - 1977), homenageado na Feira de 1977, e seu pai José Bertaso (1878 - 1948), patrono em 1983. Em 1991, o patrono foi Luis Fernando Verissimo, filho de Erico, homenageado em 1976.
29 Verissimo, a propósito, pode ser considerado o primeiro patrono "cria da Feira". O autor gaúcho, que já havia publicado antes algumas coletâneas de crônicas, estourou nacionalmente durante a 27ª Feira, em 1981, quando O Analista de Bagé dominou a lista de mais vendidos do evento. Em 1982, Verissimo seria outra vez campeão de vendas com Outras do Analista de Bagé.
30 Dois irmãos foram escolhidos patronos em anos distintos. Leopoldo Bernardo Boeck, em 1974, e Nelson Boeck, um dos quatro homenageados em 1994.
31 Dois repórteres que cobriram a primeira edição da Feira mais tarde se tornaram patronos: Carlos Reverbel, em 1993, e Walter Galvani, em 2003.
32 A Feira do Livro é o maior evento literário do Estado, e resultado do esforço de vários "rio-grandenses adotados". Dentre os primeiros organizadores, o jornalista Ruy Diniz Netto e o livreiro Edgardo Xavier eram emigrados de Portugal. Um dos grandes incentivadores da Feira, Guilhermino César, era mineiro. Donaldo Schüler, um dos patronos mais recentes, é catarinense radicado no Estado.
33 A primeira mulher a receber o patronato da Feira só foi escolhida quando já haviam transcorrido 35 edições. Foi a escritora e educadora Maria Dinorah.
34 Em 59 feiras, apenas quatro mulheres foram patronas: Dinorah, Lya Luft (1994), Patrícia Bins (1996) e Jane Tutikian (2011).
35 A cada vez que uma mulher é eleita, instala-se o debate sobre a melhor definição: patrona ou patronesse - nos anos de Maria Dinorah, Lya e Patrícia Bins, a imprensa parecia inclinar-se pela definição "patronesse". Quando Jane Tutikian exerceu a função, em 2011, já havia um consenso maior em torno de "patrona".
36 Os balaios de saldos, hoje instituição, não estavam lá desde o início. Até 1975, a venda de usados era proibida, e cada livraria participante só podia levar obras em catálogo.
37 A Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), que organiza o evento, é mais nova que a própria Feira. Durante as primeiras edições, a responsável era a seção regional da Câmara Brasileira do Livro, presidida então por Henrique Bertaso, da Editora Globo - ele seria o primeiro presidente da CRL, em 1963.
38 Esta será uma feira sem o xerife Julio La Porta. Ele batia o sino no início e no fim de cada Feira desde 1976 - ideia do então presidente da Câmara do Livro, Maurício Rosenblatt.
39 Por mais tradicional que seja como ponto de encontro, o bar da Feira não esteve sempre ali. Ele só foi criado em 1984, originalmente instalado no centro da Praça.
40 Consta que o primeiro autógrafo dado na Feira do Livro, ainda em 1955, não foi o de um escritor de ofício, e sim o de um juiz de Direito, Lenine Nequete, que assinou um exemplar de Da Prescrição Aquisitiva - Usucapião, que seu amigo Guilhermino César recém havia comprado no estande da Livraria Sulina.
41 Sessões de autógrafos só viraram atividades institucionais a partir da segunda edição. Não havia o hábito de escritores assinarem seus livros, e muitos foram, em um primeiro momento, refratários à ideia.
42 Não foi o caso de Erico Verissimo, autor viajado que conhecia a importância das sessões de autógrafos para outros mercados. De volta ao Brasil em 1956, após uma temporada de três anos nos Estados Unidos, ele participou da primeira sessão de autógrafos oficial.
43 Erico foi campeão de vendas na Feira. Apareceu nas listas de mais vendidos com O Continente (em 1956), México (em 1957), O Arquipélago (em 1961), Incidente em Antares (em 1971), Solo de Clarineta I (em 1973) e até com o póstumo Solo de Clarineta II (em 1976).
44 A lista de mais vendidos sempre rendeu polêmica. Até 1994, era feita na base de consultas sem muita precisão aos livreiros. Passou, então a ser uma lista de "mais comprados", elaborada com base em pesquisas com o público feitas por institutos contratados.
45 De tanto best-sellers de ocasião aparecerem na lista, ela foi sendo dividida em nichos. Passou a contemplar Ficção, Não Ficção e Infantil, em 1981. Em 1992, a lista ganha mais uma categoria: Esotéricos e Autoajuda.
46 Mesmo a ausência da lista é questão polêmica. A partir de 2008, a Câmara do Livro a aboliu, divulgando-a só ao fim do evento. Alguns editores e livreiros protestam até hoje.
47 A primeira delegação "de fora" na Feira foi recebida na quarta edição, em 1958. A lista incluía uma caravana mineira de respeito: Ciro dos Anjos, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino - além do carioca Millôr Fernandes e do capixaba Rubem Braga.
48 Fernando Sabino foi o best-seller daquela feira de 1958, com seu O Encontro Marcado, hoje um clássico para o público jovem.
49 Muito cedo, a Feira inspirou outras no Interior. A primeira foi a de Pelotas, em 1960. Em 1961, foi inaugurada a de Rio Grande. A onda se espalhou de tal modo que hoje há feiras de livros mesmo em cidades sem livrarias.
50 A Feira só ganhou Área Infantil em 1995. Antes disso, havia a ideia de que, se houvesse um espaço separado para os pequenos, o evento perderia a presença de uma legião de pais que só iam à Praça para levar os filhos.
51 Um Nobel de Literatura já passou por aqui: o espanhol Camilo José Cela, agraciado em 1989, esteve na praça em 1995.
52 Teve também um futuro Nobel: Mario Vargas Llosa autografou na Feira, em 1997, Cadernos de Don Rigoberto. Com previsão de uma hora, a sessão durou duas - o escritor, que viria a ganhar o Nobel em 2010, interrompeu os autógrafos porque estava cansado.
53 Por falar nisso, foi estrelada a Feira de 1997. Além de Llosa, estiveram na praça o presidente do Uruguai, Julio Sanguinetti, o dramaturgo espanhol Fernando Arrabal (que jogou uma partida simultânea de xadrez contra 12 competidores, e venceu quatro), a cineasta mexicana Laura Esquivel, o quadrinista americano Gilbert Shelton (criador dos Freak Brothers) e o mago Paulo Coelho.
54 Coelho foi o protagonista da Feira de 1997. Autografou durante seis horas para cerca de mil pessoas. E, apesar de ainda surfar na reputação "mágica" que o acompanhava desde O Diário de um Mago, recusou-se a debater em uma mesa sobre o ocultismo com o gaúcho Antônio Augusto Fagundes Filho, que lançava, na época, O Livro dos Demônios.
55 Foi no ano de 1997, também, que a figura do patrono sofreu uma transformação definitiva. Luiz Antonio de Assis Brasil assumiu um compromisso que tem sido mantido pelos seus sucessores, o de estar presente em todos, ou quase todos, os dias da Feira.
56 Esta é para quem tem menos de 20 anos. A Feira nem sempre foi coberta, crianças. O primeiro teste com a cobertura só foi feito em 1994, quando foi estendida uma lona plástica sobre um único corredor.
57 Desde o início a Feira ofereceu o seu famoso desconto de 20% - durante décadas condição obrigatória para a participação no evento. Essa regra foi abolida em 1999, deixando o desconto mínimo por conta do vendedor.
58 Antes definidos pela organização da Feira, os patronos são escolhidos em uma eleição de duas etapas desde 2000. Primeiro, associados da CRL definem uma lista de finalistas ou "patronáveis" (já foram 10, passaram para cinco, voltaram a ser 10). Dela, sai o nome do vencedor, escolhido por uma comissão de notáveis.
59 Uma terceira etapa não vingou: a escolha por votação popular entre três finalistas. Devido a um protesto público do escritor Sergio Faraco em 2000, a organização retrocedeu da ideia. O primeiro patrono eleito pelo novo sistema foi o folclorista Barbosa Lessa.