Protestos. Manifestações. Palavras de ordem. Reivindicações: é necessário dar as costas para as coisas postas e enfrentar a mudança, o novo, o justo, dar adeus aos sistemas corroídos. Isso na música de 1945. Nem bem Paris foi liberada e já surgem os concertos de música nova e de música não tão nova, colocando em cena o que tinha ficado represado durante os anos de ocupação nazista. Em seguida acontecem os protestos logo ali na virada de 1945 com a música de Stravinsky como objeto. Os atores do tumulto: o coletivo dos alunos de Olivier Messiaen. Não bastava que antes da guerra o russo tivesse enfrentado a novidade dos dodecafonismos e dos atonalismos dos vienenses. Agora que o embate se dava no seu próprio território de adoção, Paris, a palavra de ordem reivindicava uma coisa só: despedir a música que já não servia mais, mesmo que ela fosse escrita por um dos fundadores da música moderna.
Isto se deu nos concertos com obras mais recentes de Stravinsky, apresentadas debaixo de vaias, apitos, palavras de ordem e protestos de toda ordem. Os "messiaenistas", disse alguém, "não gostam nada deste Stravinsky recente". E assim protestaram. Primeiro com apitos diante das Danças Concertantes. Depois com silêncio em Jogo de Cartas. Em seguida, com toda fúria em Quatro Atmosferas Norueguesas, que era nada mais do que uma série de vinhetas das trilhas sonoras hollywoodianas que Stravinsky não tinha conseguido tornar realidade - pudera, o cachê que ele exigia era exorbitante, mesmo para os padrões do cinema norte-americano de então. Berros contra o compositor logo nessa obra tão inocente, que Stravinsky tinha pretendido incluir na trilha sonora de A Canção de Bernadette, filme meio ingênuo e meio poético sobre as visões da Virgem em Lourdes...
Isso foi em março de 1945 e num piscar de olhos já é setembro de 1968. Protestos. Manifestações. Palavras de ordem. Hamburgo, mas bem poderia ser a Cidade Baixa. Estreia do oratório "profano e militar" A Fragata da Medusa de Hans Werner Henze, dedicado a Che Guevara. No rescaldo dos acontecimentos, a revista Der Spiegel diria que o conflito estivera preparado desde sempre, nas pendengas entre "os estudantes socialistas da escola de música de Hamburgo", "membros berlinenses do Coletivo Cultura e Revolução" e um "time de anarquistas". Uns se encarregaram de pregar bandeiras vermelhas no pódio do maestro. Outros se encarregaram de pregar retratos de Che Guevara nas paredes. Outros distribuíram bandeiras pretas pelo palco. Todos com o objetivo comum de demonstrar que Henze não era revolucionário o bastante para o tema da sua própria peça.
O coro se recusou a cantar. Os solistas calaram. A plateia se revoltou. O libretista foi jogado contra uma porta de vidro. Os empresários arrancaram as bandeiras e os retratos que estavam mais à mão. O regente - Henze, duplicando sua função de compositor - nada pode fazer senão recolher seu orgulho e dizer em sua autobiografia, anos mais tarde, que aquele tinha sido o evento definidor de sua vida de compositor. Não sobrou nada do conflito: até os críticos que haviam assistido ao ensaio geral da véspera foram implacáveis: o oratório de Henze não era mais do que um "absurdo tragicômico", uma composição desajeitada cheia de "cores românticas". Definitivamente, era um prato cheio para os protestos e as palavras de ordem de 1968, os vidros quebrados, os ânimos inflamados.
Quase essas mesmas palavras de ordem viraram música ali mesmo em 1968. De um golpe, as ruas ganharam as salas de concerto, mas não pelo caminho do protesto na plateia. Na Sinfonia do italiano Luciano Berio, as vozes das cidades baixas das revoluções estudantis parisienses ocupam o seu lugar nas vozes dos cantores. Ali elas fazem companhia ao texto do dramaturgo Samuel Beckett e à música que Berio tomou emprestada de Gustav Mahler, este sim - e por todos os direitos - "cheio de cores românticas". O que poderia ser confusão musical - para não dizer ideológica - se transforma no primeiro produto autêntico da pós-modernidade sonora, aquela na qual tudo vale, mesmo as coisas mais incompatíveis forçadas a uma convivência sem atritos por força de um compositor amalucado.
Os protestos da modernidade, aqueles lá da década de 1910, tinham matizes bem aburguesados, e a discussão era, antes de mais nada, cultural. Nos 1960, os protestos foram todos ideológicos e políticos, e o que foi cobrado de Henze foi não ter sido suficientemente revolucionário - já não bastava o ativismo de fachada, uma simples dedicatória a Che Guevara numa obra que soava inapelavelmente antiga já em 1968. Os protestos de 2013, estes ainda não tiveram tempo, nem preocupação, com a música. Ainda não se colocaram diante dela e nem a música se colocou dentro deles. Talvez esse diálogo (?) tenha sido uma marca do século passado. Talvez essas aventuras anárquico-musicais não caibam mais nos dias agitados de hoje, os quais certamente se preocupam com situações mais urgentes do que um acorde colocado fora do lugar, um som mais dissonante, uma orquestração superada.