Gaúcho e confederado, conforme a definição do historiador Manuel Luena Salmoral, José Gervasio Artigas (1764 - 1850) é o grande herói da libertação uruguaia. Reconstruir sua trajetória, no entanto, é um desafio a qualquer biógrafo. César Charlone passou no teste com Artigas - La Redota, o vencedor da mostra de longas latino-americanos do Festival de Gramado de 2012, que estreia nesta sexta-feira no Espaço Itaú e no GNC Moinhos.
Trata-se de uma cinebiografia possível do líder popular, sobre o qual restam as impressões mais contraditórias e nenhuma imagem confiável. Charlone, uruguaio radicado em São Paulo, mergulhou no trabalho de reconstrução de sua trajetória a partir dos esforços do pintor Juan Manuel Blanes (1830 - 1901) para criar um retrato do mito décadas após a sua morte. O resultado é um filme original em sua abordagem, envolvente em sua construção narrativa e corajoso em sua independência - um dos melhores registros audiovisuais já feitos sobre o mito do gaúcho.
De início, vê-se Blanes (papel de Yamandú Cruz) se debatendo com as anotações de um espião espanhol (Franklin Rodríguez) que considerava Artigas nada além de um criminoso messiânico. À medida que a ação se transfere para a própria "redota" (marcha pela independência uruguaia no início do século 19), testemunhada por esse espião, Charlone não se furta a registrar a visão dos opositores do herói. Isso dá a Artigas - La Redota um caráter não oficialista e uma riqueza dramática que só os filmes que respeitam as contradições de seus personagens possuem.
É o primeiro acerto do cineasta, fotógrafo indicado ao Oscar por Cidade de Deus (2002) que estreou na direção com O Banheiro do Papa (2007), codirigido com Enrique Fernández. Conforme passam as quase duas horas de projeção, Charlone forja um comandante de discurso sedutor e compreensão política visionária - o que revela sua admiração por Artigas. Também se trata de algo positivo: além de complexo, Artigas - La Redota é um filme honesto.
Tudo isso seria inócuo não fosse o roteiro de Charlone e Pablo Vierci tão bem-sucedido em suas idas e vindas no tempo. E, também, se a performance de Jorge Esmoris, como José Artigas, não desse conta de criar um líder que, além de incorporar essa complexidade, tivesse presença imponente em cena. A surpresa, revelada pelo diretor em Gramado, é que Esmoris era, até então, um ator mais conhecido por seus papéis cômicos no teatro e na televisão.
- Quis que sua presença realmente fosse impactante - afirmou Charlone na ocasião.
Como Blanes, Charlone e Esmoris usaram informações esparsas e fragmentos da história para construir uma imagem que tem tudo para se tornar referencial.
Artigas - La Redota
(La Redota - Una Historia de Artigas)
De César Charlone. Com Jorge Esmoris, Yamandú Cruz, Franklin Rodríguez, Gualberto Sosa e Rodolfo Sancho.
Drama, Uruguai, 2011. Duração: 118 minutos. Classificação: 14 anos.
Cotação: 4 de 5 estrelas.