Os proprietários do Fuga Bar do 4º Distrito já estão acostumados com alagamentos. Sempre que uma chuva um pouco mais intensa cai sobre Porto Alegre, a água invade o espaço, que fica na Rua Álvaro Chaves, 91, no bairro Floresta. Porém, a enchente de maio fugiu do já problemático cotidiano do local — foi, pelo menos, três vezes pior do que o esperado pelos sócios da casa.
Dessa forma, não adiantou erguer equipamentos de som, computadores, entre outros itens. A água atingiu 1m90cm dentro do estabelecimento, inundando toda a aparelhagem. O prejuízo, segundo Marcelo Lima Nery, sócio-proprietário do Fuga, chega a R$ 400 mil apenas no espaço do 4º Distrito — somando os estragos da filial do Cais Embarcadero, que também ficou alagada, o valor dobra.
Mesmo assim, o bar voltará a abrir as suas portas. E nos mesmos locais. No 4º Distrito, a ideia, depois de semanas de intensa limpeza, era reabrir as portas já no próximo final de semana, porém, a imundície do entorno fez com que os proprietários repensassem a estratégia e decidissem voltar à ativa no dia 21 de junho, com Tonho Crocco fazendo o seu tributo a Tim Maia.
— As ruas ainda continuam sujas, cheias de entulhos. E, além disso, tem muito barro e um odor forte. Então, estamos aguardando a limpeza das ruas, a retirada da lama que ainda tem aqui para reabrir do melhor jeito possível para os clientes, para eles poderem vir aqui tranquilos e seguros — explica Nery.
De acordo com o sócio do Fuga, parte dos equipamentos foram comprados novamente, mas outros foram recuperados, como algumas das geladeiras. Além disso, eles contam com o apoio de parceiros do estabelecimento, que estão auxiliando com materiais que possibilitem a reabertura. Boa parte do mobiliário do bar, como mesas e cadeiras, pôde ser limpo e reusado, o que ajudou no processo de reabertura.
Gasto milionário
Um dos espaços mais imponentes em questão de tamanho no 4º Distrito, o Patrimônio conta, em uma noite normal de operação, com cerca de cem colaboradores. Todo esse time viu o seu espaço de ganha-pão tomado por mais de 1m80cm de água, o que demandou 25 dias de limpeza para que o local pudesse, finalmente, reabrir. A volta será nesta sexta-feira (14), mas com um prejuízo enorme.
— Só em produtos que foram diretamente para descarte, já batemos mais de R$ 400 mil. Com equipamentos de som e material, já ultrapassou R$ 1 milhão. Fora o nosso lucro cessante de mais de um mês e meio fechado — calcula Gabriela Granella, sócia-proprietária do Patrimônio, que fica na Rua Conselheiro Camargo, 212. — O início (pós-enchente) foi bem desconcertante, você entra e é uma bagunça absoluta. Não sabe nem por onde começar.
Mesmo assim, todos os envolvidos com o espaço decidiram se reunir para reerguer o local. Tal movimento acelerou o processo e, se no começo da faxina chegou a se cogitar reabrir o Patrimônio com espaço reduzido, agora, a situação mudou:
— Vamos voltar à força total, com música ao vivo. Na sexta-feira, vamos ter pagode para a galera já se sentir em casa de novo.
Tour de reconstrução
Com perdas avaliadas em R$ 100 mil — que chegam a R$ 300 mil se contar os mais de 30 dias com as portas fechadas —, os administradores do Cortex, que fica na Rua Álvaro Chaves, 12, receberam propostas de empreendedores de outras casas noturnas, que abririam as suas portas para receberem as festas e os artistas do espaço afetado pela enchente. A partir dessa rede de apoio, foi criada a Tour de Reconstrução, que passou por cidades do Interior e até mesmo viajou para fora do Estado, chegando a Belo Horizonte.
Enquanto o trabalho artístico segue em outros espaços, o braçal, aquele de limpeza, é feito diariamente no Cortex, jogando o que foi perdido fora e tentando recuperar alguma coisa que, mesmo afetada pela água, ainda pode ser limpa. O fliperama, por exemplo, que é feito com madeira de compensado, segundo o sócio-proprietário Rafael Schutz, "virou papel" e, atualmente, está "derretido" no chão do bar. Mesas e alimentos do estoque também foram perdidos com o 1m90cm de água que entrou no estabelecimento.
— Montamos a tour para durar o mês de junho, para que a gente consiga voltar nas primeiras semanas de julho. Temos uma equipe que está ansiosa e precisando trabalhar. Porém, é possível que a gente volte de forma parcial, porque vamos necessitar de uma reforma completa do andar de baixo do Cortex. Então, estamos pensando em criar um acesso diretamente para o segundo andar da casa — explica Schutz sobre o local que tem entre 30 e 40 colaboradores.
Mudança de endereço
Durante a pandemia, o Gravador Pub passou por uma situação de aperto, com dificuldade de manter o aluguel. Com apoio de amigos e clientes, conseguiu se manter. Porém, agora, com a enchente, a situação novamente se mostrou catastrófica para o espaço, que estima perdas entre R$ 300 mil e R$ 500 mil. Sem negociação de redução do arrendamento com os proprietários do prédio, bem como a responsabilidade de custear totalmente a reforma do local, a decisão de Gabriel Salomão, sócio do empreendimento, foi a mudança de endereço.
Assim, a já tradicional casa de show deixa a Rua Conde de Porto Alegre, 22, para um local maior, localizado na Rua Ernesto da Fontoura, 962. Mantém-se no 4º Distrito. A esperança é conseguir recuperar os instrumentos e equipamentos que não ficaram submersos, já que Salomão conseguiu erguer para o andar superior a maioria. Os objetos, no entanto, foram afetados por umidade e mofo, devido ao 1m70cm de água dentro do espaço.
— Ali era um lugar muito legal, muito bacana, todo mundo curtia. Mas, também, tinha a dificuldade de ser um espaço fisicamente pequeno. Era complicado para trazer shows maiores e colocar mais gente. Então, estamos tentando seguir, colocar a programação para o fim de julho. Mas tem muita coisa para fazer, o prédio novo também tem que reformar, montar tudo, fazer palco, elétrica. Se (a gente) conseguir botar de pé, vai ser muito legal — conta o sócio do Gravador Pub.
Salomão lamenta as perdas financeiras, mas, principalmente, os itens que fizeram parte da história dos oito anos do espaço — inclusive, um pôster autografado por Nicko McBrain, baterista do Iron Maiden, que ficava pendurado na parede e foi perdido com a enchente.
— A gente tinha uma memorabília de muitos anos, era a história do bar. Então, teve muita perda que é irreparável — lamenta Salomão.
"Impossível não ter medo": a tensão por novos alagamentos
Assim, entre os empreendimentos ouvidos pela reportagem, o Gravador Pub é o único que pretende recomeçar em um novo endereço — ainda que dentro do 4º Distrito, que é um polo musical de Porto Alegre. Já os outros locais, que decidiram ficar nos mesmos espaços, sentem a preocupação de novas enchentes em meio à retomada dos negócios.
— Vamos pensar na casa a partir da reforma que faremos no primeiro andar, trabalhando em alternativas para aumentar a segurança. E vamos cobrar fortemente das autoridades por melhorias, como um plano de prevenção para tornar o trabalho dos empreendedores do 4º Distrito mais seguro — afirma Rafael Schutz, do Cortex.
Para Gabriela Granella, do Patrimônio, mesmo com a empolgação de voltar a ver a casa operando normalmente, existe uma tensão de finalizar todo o processo de recuperação do espaço e, com uma nova chuva, tudo ser perdido novamente. Inclusive, já foi solicitado, junto às autoridades, limpeza dos bueiros do bairro, para que haja escoamento em caso de enxurrada.
— Estamos com muito medo e, inclusive, pensando em formas de ter um plano de emergência para poder reerguer tudo de novo. Foi muito trabalho para chegar onde estamos agora. Então, é impossível não ter medo — diz Gabriela.
Marcelo Lima Nery, do Fuga, já está planejando como proceder em caso de novos alagamentos. Segundo ele, a ideia é levantar os equipamentos eletrônicos e quaisquer outros itens que possam estragar com água em uma altura que seja, no mínimo, a mesma em que enchente de maio atingiu. Ainda assim, existe uma apreensão para reabrir:
— Já sofremos outros alagamentos devido ao Conduto Álvaro Chaves, que não suporta o volume de chuvas e acaba alagando a rua. E o alagamento é muito rápido. Do nada, o nosso bar está com água dentro. É bem complexo, e a gente não sabe como vai ser resolvido isso. Então, isso já nos causa um pouco de angústia. Mas estamos esperando um novo recomeço para todo mundo.