Pela capacidade de extrair som de praticamente qualquer coisa e fazer disso um grande espetáculo instrumental, Hermeto Pascoal ganhou o apelido de bruxo ou mago dos sons. Aos 87 anos, os característicos fios longos e embranquecidos de barba e cabelo adornados por um chapéu panamá, o músico alagoano está cada vez mais parecido com um sábio que se mantém impassível diante do teclado enquanto conduz palco e plateia ao transe. Mas é um sábio muito psicodélico.
Uma das grandes atrações do Porto Verão Alegre, o multi-instrumentista e um dos principais nomes da música instrumental do mundo esteve no átrio do Farol Santander na noite desta quinta-feira (8), acompanhado de seu grupo de cinco músicos — Fábio Pascoal (percussão), André Marques (piano), João Paulo Barbosa (sax e flauta), Itiberê Zwarg (baixo e voz) e Ajurinã Zwarg (bateria) —, todos tarimbados na tarefa de extrair o máximo de seus instrumentos e ajudar a compor uma alquimia improvisada, temperando o jazz com ritmos brasileiros, como frevo e forró.
Se no passado era Hermeto que surpreendia tirando sons de objetos esquisitos de estarem em cima de um palco — ou instrumentos não convencionais, como o próprio chama —, hoje a tarefa é de seu filho, Fábio Pascoal. Havia uma "mesa de esquisitices" à sua frente, incluindo bonecos que emitem barulhos ao serem apertados e tamancos holandeses de madeira. Além dos convencionais e não menos importantes pandeiro e triângulo, o que garante a sonoridade nordestina ao som amalucado de Hermeto, que já causou espanto até nos maiores do jazz, como Miles Davis.
Enquanto o grupo tocava sem parar, emendando uma música na outra, ora mais próximo do jazz, ora garantindo a fogosidade nordestina, ora ainda acelerando o tempo e causando uma espécie de redemoinho alucinado de sons que provocava uma vertigem até a música se esgotar, Hermeto mantinha-se tranquilo em seu teclado, o único instrumento em que botou as mãos ao longo da uma hora de show. Às vezes, sentava-se em uma cadeira e deixava os cinco — todos mais jovens — tocarem à vontade. Não é que não fizesse falta. É como se já houvesse ensinado tudo ao grupo.
Acredite, é possível querer bater o pé, sacudir a cabeça e até dançar enquanto se assiste a um show de jazz, desde que seja de Hermeto Pascoal e seu grupo. Embora sentada, a plateia lotada e multifacetada do átrio do Farol Santander, com jovens e idosos, mantinha os olhos vidrados nos músicos. Quando a banda já estavam suando e quebrando tudo, balançavam a cabeça e batiam os pés nos chão. Do início ao fim, Hermeto foi aplaudido com assovios e viu as pessoas ficarem de pé para ele.
Fã do alagoano, o médico e professor de Medicina na UFRGS Odalci Pustai, 67 anos, saiu do show vibrando com o que havia visto.
— É um ícone da música brasileira, um representante da sonoridade verdadeiramente brasileira. Ele consegue apresentar sons de toda a cultura brasileira, inclusive extrair música de um sapato holandês. Ele tem o sincretismo de tudo.
Sua esposa, a enfermeira aposentada Adelaide Pustai, 59 anos, se surpreendeu com a afinidade de Hermeto e os cinco músicos no palco.
— A gente tinha um desejo imenso de vê-los. Parecia que eles estava palavreando entre eles.
Assista a trecho do show realizado nesta quinta-feira no Farol Santander, em Porto Alegre: