Quando ainda se apresentava em casas noturnas de Porto Alegre e sequer havia lançado um disco, Adriana Calcanhotto fez uma participação histórica em um show da Rita Lee no Gigantinho. Era novembro de 1987. Convidada pela roqueira, a cantora gaúcha subiu no palco vestindo apenas uma longa capa e, enquanto a banda tocava Miss Brasil 2000, do disco Babilônia (1978), abriu o casaco e mostrou-se completamente nua para a plateia.
A história foi recuperada recentemente pela própria artista logo após a morte de Rita, em maio. De volta à cidade natal para a estreia nacional de Errante, nova turnê com apresentações nos dias 22 e 23 de julho no Theatro São Pedro, ela falou sobre o episódio para GZH.
Adriana tinha apenas 22 anos e usava cabelo curto, estilo pixie, e descolorido. Rita Lee estava prestes a fazer 40. A veterana dizia estar cansada dos shows e anunciava que ela e Roberto de Carvalho, marido e parceiro de palco, fariam seus últimos concertos.
Na noite de 6 de novembro, um dia antes do show no Gigantinho, Rita foi com a equipe ao extinto Porto de Elis, casa de espetáculos situada na Avenida Protásio Alves. Queriam prestigiar a cantora Annie Perec, que Roberto desejava produzir, segundo reportagem de Zero Hora daquela época. No espetáculo chamado Sei que Estou Errada, com direção de Luciano Alabarse, Annie cantava junto com a radialista e apresentadora de TV Tânia Carvalho e a jovem Adriana Calcanhotto.
— Eles foram nessa apresentação, eu nem sabia que estavam lá, fiquei sabendo depois. Quando terminou o show, a Rita já tinha ido embora. Ela não esperou o final, se não ia ficar presa no meio de um monte de gente. No outro dia, recebi um telefonema perguntando se eu gostaria de ver a passagem de som da Rita Lee no Gigantinho. Falei: "Óbvio". Fomos em um grupo, incluindo a Annie Perec, que era amiga da Rita — conta Adriana.
Já no dia 7, durante a passagem de som no Gigantinho, Rita compartilhou a ideia audaciosa. Contou que, toda vez que apresentava os músicos de sua banda, a mulherada ia ao delírio e gritava. Como não havia por quem os homens da plateia vibrassem, tinha vontade de colocar uma mulher no palco para agradá-los, ainda que momentaneamente.
— Eu queria uma menina que entrasse enrolada em uma capa, nua, chegasse na ponta do palco, abrisse a capa e fosse embora. É só isso — disse Rita, e olhando para a jovem cantora, perguntou: — Você conhece alguém que possa fazer isso?
A gaúcha não titubeou:
— Você se incomoda que seja eu?
Rita consentiu e explicou tudo o que deveria ser feito. Na hora em que a banda estivesse tocando Miss Brasil 2000, a jovem deveria se posicionar bem na frente do palco, abrir a capa, fechar a capa e ir embora.
Adriana foi para casa se arrumar. A pedido de Rita, colocou salto alto. Retornou ao Gigantinho e esperou até que seu nome fosse anunciado no microfone.
— Eu não era famosa, mas era conhecida o suficiente para as pessoas esperarem que eu entrasse com um violão e não com uma capa — diz.
A performance nua era uma surpresa, mas o jornalista Juarez Fonseca, na época repórter de Cultura de Zero Hora, sabia o que iria acontecer. Estava lá no Gigantinho, bem perto do palco, só aguardando o momento. Avisou o fotógrafo Marcelo Ruschel para ficar de prontidão e não perder o lance.
— Ninguém sabia. A Adriana entrou no meio do palco, enquanto a Rita cantava, abriu a capa e fechou. Quem estava dos lados, na arquibancada, não viu. Só quem estava bem na frente conseguiu ver. Quem viu, viu. Foi aquele "oooooh", aquela conversinha, todo mundo comentando: "Olha só, a Adriana Calcanhoto" — relembra Juarez.
Adriana estava tão concentrada no que deveria fazer que não sentiu nem um pingo de vergonha de ficar pelada por alguns segundos diante de um monte de gente enquanto Rita cantava: "Será que ela vai continuar uma tradição?/ Será que ela quer modificar uma geração? Lá vem ela/ Miss Brasil 2000".
— Qualquer coisa que a Rita Lee me pedisse, eu faria — garante.
Só que acabou fazendo algo extra. Um agrado a mais, mas não para a plateia.
— Fiquei com pena da banda. Então me virei para eles, abri a capa e só aí fui embora. Generosa! — brinca ela.
Rita Lee passou a incorporar o número em sua turnê, convidando outras mulheres a exibirem-se nuas. Poucos anos depois, Adriana lançou Enguiço (1990), seu primeiro disco, projetando-se nacionalmente. Nunca mais ela esteve em um palco ao lado da mulher que a incitou a fazer uma das performances mais ousadas de sua carreira.
— A Adriana era assim, era um espanto. Tinha personalidade, carisma, tocava bem violão. Tanto que foi para o Rio — conta Juarez.
Em uma resenha sobre o show de Rita no Gigantinho, o jornalista menciona rapidamente a aparição corajosa da cantora gaúcha e critica quem possa ter achado sua nudez imoral. "Imoral? Imoral são as legiões de crianças pedindo comida nos cruzamentos", escreveu. Até hoje, ele guarda a foto que Marcelo Ruschel conseguiu tirar de Adriana sem nada no corpo.
A cantora sabe que Juarez guarda essa imagem rara, que nem mesmo o arquivo de ZH tem.
— Ela me pediu para não mostrar para ninguém. Se eu mostrar, ela me mata — diz.