Não teve clima de despedida. Quem foi ao Teatro do Bourbon Country, em 28 de maio de 2011, não imaginava que aquele seria o último show de Rita Lee em Porto Alegre. A cantora, que morreu aos 75 anos na noite de segunda-feira (8), fez uma apresentação com alto nível, como sempre.
Rita parou de subir aos palcos no dia 28 de janeiro de 2012, após uma tumultuada apresentação em Barra dos Coqueiros (SE). No show, ela xingou policiais que teriam agido com truculência com o público. Após o evento, a cantora teve que ir à delegacia, onde foi enquadrada por desacato e apologia ao crime ou ao criminoso. Ela havia anunciado sua aposentadoria dos palcos uma semana antes, em apresentação no Rio, alegando fragilidade física.
Alguns meses antes, não houve confusão em Porto Alegre. Não se viu uma Rita frágil no show, segundo relatos do público e da imprensa. Vale ressaltar que não foi sua última apresentação no Estado: ela passaria por Passo Fundo e Novo Hamburgo em novembro do mesmo ano.
Quando veio à Capital gaúcha com a turnê ETC, a cantora ainda pulsava. A apresentação teve início pontualmente às 21h. Rita subiu ao palco acompanhada do marido Roberto de Carvalho (guitarra) e de Brenno di Napoli (baixo), Danilo Santana (teclado), Edu Salvitti (bateria) e as cantoras de apoio Débora Reis e Rita Kfouri. Faltou somente o seu filho, o guitarrista Beto Lee, que não obteve a liberação do canal Multishow para tocar no show. Na época, ele apresentava o programa Geleia do Rock.
Rita abriu o show com Agora Só Falta Você, animando o público que ocupou a pista do Teatro do Bourbon Country quase que na sua totalidade, segundo resenha do site Whiplash, assinado pelo jornalista Paulo Finatto. O texto destaca que a cantora “não mostrou que possui uma voz brilhante”, mas “esbanjou alegria em uma performance divertida e muito animada”. Ele lembra que a cantora tinha boa presença de palco e se relacionava carismaticamente com os músicos e com a plateia.
— Apesar de já dar sinais que os seus 40 anos de carreira estavam se tornando um peso, ela foi fascinante durante uma hora e meia — assinala Finatto.
O músico, produtor musical e jornalista musical Marcel Bittencourt lembra que o show foi realizado em um momento no qual a artista começava a se encaminhar para reduzir as apresentações. Após Vírus do Amor, segunda música da noite, Rita brincou sobre sua situação. Conforme relato da revista Noize, escrito por Pedro Braga, ela disse que “ficar velho é uma merda, essa maldita dor nas costas”. “Acho que eu e o Ozzy somos irmãos”, acrescentou. Em seguida, emendou Saúde.
— Ela trouxe aquele humor ácido, característica que ela sempre carregou, seja nas entrevistas ou em cima do palco — pontua Bittencourt.
A apresentação prosseguiu com Pagu, Bwana e, como descreve a resenha do Nonada, uma versão arrastada de A Hard Day's Night, dos Beatles. Houve ainda espaço para o número de Nick Goulart, cover gaúcho de Michael Jackson, que performou Bad.
O show teve os clássicos indispensáveis de Rita: Banho de Espuma, Lança Perfume, Chega Mais e Doce Vampiro. Em Ovelha Negra, o telão trouxe uma pequena biografia da cantora, ilustrada no telão com vídeos e fotos antigas dela. Além de declarar seu amor a Roberto de Carvalho, seu “ovelho negro”, e refletir sobre sua trajetória, Rita homenageou Elis Regina.
— Ela era a verdadeira ovelha negra. Éramos tão amigas, e a gente falava tanta bobagem juntas... Não posso chorar — disse com lágrimas nos olhos.
Além de sua amizade com Elis, Rita também exaltou uma outra ligação que mantinha com o RS: prestou louvores ao Inter, como costumava fazer nos shows pelo Estado. Chegou a carregar uma camiseta do clube no palco, ganhando aplausos e algumas vaias.
Lança Perfume encerrou a primeira parte do show. No bis, ela trouxe Desculpe o Auê, Ando Meio Desligado, Mania de Você, Flagra e, por fim, Erva Venenosa.
No Twitter, Rita agradeceu o público porto-alegrense: “POA sempre gentil comigo. Gauchada sangue bom. Uma bela chuveirada e tuitz no forévis. Spider vérigudz.”
Para Carlos Konrath, presidente da Opus Entretenimento — produtora responsável pelo show — , aquela apresentação foi especial:
— Rita sempre foi amável, nossa ovelha negra querida. Era uma pessoa que veio ao mundo cantar e alegrar com uma doidice do bem.
Konrath não imaginava também que aquele seria o último show dela em Porto Alegre. Ele lembra de ter ido ao camarim para dar um alô à Rita antes e depois da apresentação.
— A gente fica com aquela sensação de que não quer atrapalhar, mas a Rita te puxava. — relata. — Ela dizia: "Senta aqui, quero conversar". "Me fala como está Porto Alegre, como está a Opus". Rita tinha um interesse gigante por tudo onde ela estava, ou fazia no entorno dela. Era uma curiosa por natureza, e preocupada com o bem-estar de quem estivesse ao seu entorno. Era um carinho tão grande que ela te trazia para dentro, te abraçava.
Segundo Geraldo Lopes, fundador da Opus Entretenimento e que trabalhou com shows da cantora em POA durante décadas, Rita era uma pessoa excepcional no trato.
— Sempre foi bom trabalhar com ela. Fazer um show no Gigantinho há 40 anos não era fácil, tínhamos que criar toda uma estrutura. Rita sempre foi tranquila, nunca exigiu muito. Ela queria que a apresentação acontecesse, sempre foi pela música. Nos dava prazer de fazer os shows dela.